Relator da Organização das Nações Unidas (ONU) para Promoção da Verdade, Justiça, Reparação e Garantias de Não Repetição, Bernard Duhaime afirmou que a Lei da Anistia para a Ditadura Militar abriu espaço para a tentativa de golpe no 8 de Janeiro. O representante do organismo internacional encerrou nesta segunda-feira (7/4) a passagem pelo Brasil, e deve apresentar em setembro seu parecer.
A visita de Duhaime aconteceu num contexto onde o Congresso avalia um novo perdão para ataques antidemocráticos. Desta vez, aos envolvidos na manifestação realizada em 8/1 de 2023, quando bolsonaristas invadiram as sedes dos Três Poderes, solicitando nova intervenção militar e queda do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), empossado sete dias antes.
“A ausência de consequências legais para abusos passados reforçou uma cultura de impunidade e estabeleceu condições para repetição, ao permitir que a retórica e a prática autoritária ressurgissem no discurso político como evidência, em janeiro de 2023, de suposta tentativa de golpe”, afirmou Duhaime. Como mostrou o Metrópoles, o emissário da ONU teve agendas na semana passada com congressistas de esquerda e no Supremo Tribunal Federal (STF).
Duhaime também reclamou sobre a postura adotada pela Suprema Corte acerca da Anistia aprovada em 1979, como parte do processo de afastamento dos militares do Poder para redemocratização do Brasil. O enviado da ONU considerou que a decisão de 2010, do Supremo Tribunal Federal, de incluir o perdão a violações de direitos humanos atribuídas a agentes do Estado fez com que eles escapassem das consequências pelos crimes cometidos durante o regime.
“Há vários problemas em relação à compatibilidade da Lei de Anistia com a legislação internacional de direitos humanos. Então, acho que, em 2025, seria importante revisitar esse assunto para garantir que a lei esteja de acordo com a lei internacional de direitos humanos”, afirmou Duhaime. O relator afirmou que o perdão só foi positivo no caso de pessoas com direitos políticos cassados pela ditadura.
O relator da ONU, que deixará o Brasil em breve, afirmou que continuará a acompanhar os desdobramentos no STF sobre os processos acerca da suposta tentativa de golpe de Estado deflagrada entre 2022 e 2023.
“Ouvi testemunhos de variados setores sociais sobre a persistência da violência estatal, nas mãos da polícia e das Forças Armadas. Execuções sumárias, tortura e detenções arbitrárias continuam a permear a sociedade brasileira em índices alarmantes, afetando particularmente povos indígenas, camponeses e pessoas de descendência africana. A responsabilização por tais crimes raramente é feita, o que encoraja e perpetua ainda mais essas práticas”.