Home Brasilia Efeito nocivo de termelétrica em Samambaia é mistério para moradores

Efeito nocivo de termelétrica em Samambaia é mistério para moradores

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Perto das flores do jardim que cultiva, Eleusa Rodrigues Lima, 66 anos, diz se distrair no quintal. “Gosto de respirar as flores, um ar puro”. Asmática, ela mora na Comunidade da Cerâmica, que fica a apenas dois quilômetros do local onde deverá ser construída a Usina Termelétrica de Brasília. A novidade vai modificar exatamente a qualidade do ar que Eleusa tanto aprecia.

Ela conta que não está sabendo direito do projeto, que não sabe o que é uma termelétrica, nem como pode ter a vida afetada. A moradora também aponta que ninguém da empresa que vai construir a usina procurou alguma das 350 famílias que habitam a região para explicar do que se trata. As informações que a aposentada tem são as que circulam no boca a boca, especialmente pelos pais de alunos na Guariroba que temem a remoção da escola.

 

Moradora do local desde quando a comunidade ainda fabricava cerâmica para as construções nos anos iniciais de Brasília, Eleusa relata que, aos poucos, foi testemunha dos impactos ambientais ocorridos em Samambaia. Em 2004, o Governo do Distrito Federal inaugurou na região uma Estação de Tratamento de Esgoto, que interferiu no cheiro e na qualidade de vida.

Entenda o projeto:

  • A usina de Samambaia prevê gerar sozinha 1.470 megawatts
  • Essa energia entraria para o Sistema Interligado Nacional (SIN) para abastecer o país, e significaria a mudança da matriz energética do Distrito Federal que tem, atualmente, como sua principal fonte de energia o abastecimento por hidrelétricas – Furnas e Itaipu, consideradas energias renováveis.
  • A usina terá três turbinas a gás, três caldeiras de recuperação e uma turbina a vapor
  • A energia gerada ligará a usina à subestação de Samambaia por uma linha de transmissão de 6,29 quilômetros.
  • Uma adutora ligada à usina pretende captar um volume de 110m³/h de água no Rio Melchior, que estará a apenas 500 metros da margem
  • Após usar a água, a usina pretende devolver 104 m³/h ao rio.
  • Como o DF não tem gás natural, o projeto prevê a construção de um gasoduto de São Carlos (SP) para Samambaia
  • Esse modelo seria implantado e ficaria sob responsabilidade da Transportadora de Gás Brasil Central (TGBC), que pertence ao mesmo sócio da empresa responsável pela usina: Carlos Suarez, também conhecido como Rei do Gás.

Em 2018, os moradores receberam um aterro sanitário que novamente impactou o ar puro. Agora, em 2025, uma usina poluente deve ser vizinha da casa de Eleusa. Ela que nadava no Rio Melchior quando criança presenciou aos poucos o curso d’água apodrecer e ser classificado como Classe IV no nível de poluição, o pior na graduação de alarme. A classificação proíbe o contato humano, pesca ou irrigação no local.

Eleusa não sabe o que é uma termelétrica, mas pelas informações que recebeu desconfia que não seja algo bom. “A gente recebeu aqui esse esgoto que é um córrego sujo. Nós não temos água aqui, nós temos que pegar água do P Norte [Ceilândia], no tambor”, conta. Apesar dos riscos, o que mais preocupa a aposentada é o fato de a escola Guariroba mudar mais uma vez de lugar – a primeira foi justamente para a construção do aterro.

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Eleusa Rodrigues Lima se preocupa com a construção de termelétrica

Foto: VINÍCIUS SCHMIDT/METRÓPOLES @vinicius.foto

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Eleusa não acredita que obra será positiva para comunidade

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Construção de termelétrica vai impactar escola

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Laura tem um neto na escola Guariroba

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Moradora há 25 anos do local, Laura Pereira não sabe o que aguardar

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Termelétrica vai puxar 100 mil litros por hora do rio Melchior

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Área destinada a implementação de termelétrica

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Comunidade da Cerâmica fica a 2 km de área destinada à construção de usina

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Escola Guariroba atende estudantes de área rural

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Rio Melchior é Classe IV de poluição

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Escola Guariroba deverá ser realocada pela segunda vez

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A escola é uma das mais antigas do Distrito Federal, construída na década de 1960. Foi nessa mesma escola rural que Eleusa se alfabetizou quando criança e que seus filhos e netos estudaram. Atualmente, a neta caçula, Ágata de 5 anos, é aluna da escola que pode mudar de endereço. “Ficam falando que vão derrubar a escola e fica difícil para nós. Essa escola já foi derrubada antes”, completa.

“Ela estar matriculada na Guariroba facilitou demais. Estar perto de casa. Para mim, é bem viável ela ficar aqui”, declarou Rodinelli Santos Lima, filho de Eleusa e pai de Ágata. Ele diz que a menina estudava antes em uma creche no P Norte e que ficava longe da escola.

Assim como a família Rodrigues, Laura Pereira, 71 anos, mora na comunidade vizinha à área de instalação da termelétrica há 25 anos. Nesse tempo também testemunhou as mudanças na área que cada vez fica mais vulnerável.

“Não adianta dizer que não vai ter problema, porque a gente sabe que vai”, completa.

Ela apresenta os problemas de saúde que tem: asma crônica, rinite e sinusite. Mas, bem como Eleusa, maior preocupação de Laura – pelo menos por enquanto – é com a escola das crianças. “Aqui tem muita criança. O que vão fazer com elas? Só tirar?”, questiona.

Escola Guariroba

A Escola Guariroba foi derrubada em 2015 para a construção do aterro sanitário. As crianças ficaram três anos à espera de um novo local prometido pelo Governo do Distrito Federal na época. Em 2018, a instituição foi inaugurada e está nova, inclusive conta com ar condicionado na sala de leitura, dos professores e na coordenação.

Em 2023, foi inaugurada a cobertura da quadra esportiva e também a pintura da escola. Um investimento de R$ 567 mil para os 560 estudantes da instituição. Professores conversaram com a reportagem, mas preferiram não ser identificados por temer represálias. Eles são contrários à derrubada da escola.

O servidor Agnes Fonseca destaca que a escola é uma instituição rural, que tem suas características próprias. “É fora do contexto, os alunos aqui vem da chácara dos pais, eles têm uma noção diferente do que em uma escola urbana”, disse o servidor.

“O dia a dia do aluno aqui é em uma realidade de roça, alguns vêm a cavalo. Até a vestimenta impacta porque tem quem venha de bota e chapéu. É outro contexto que não é só tirar o aluno daqui e colocá-lo em uma escola urbana”.

Efeitos nocivos

O Relatório de Impacto do Meio Ambiente feito pela Ambientare, contratada pela empresa responsável, lista 26 pontos de impactos no Distrito Federal com a construção da usina. Desses, 22 são negativos e apenas 4 positivos. No levantamento, destacam-se a alteração da qualidade do ar (tanto na fase de instalação, operação e desativação), alteração dos níveis de ruídos, na qualidade da água, acidentes com a fauna, interferência na rotina da população, entre outros.

“O Distrito Federal já enfrenta muito a questão das doenças respiratórias em período de seca”, pontua o  gerente de transição energética do Instituto Internacional Arayara, engenheiro ambiental John Wurdig. A instituição tem atuado na Justiça contra a construção da termelétrica.

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Termelétrica de Samambaia prevê gerar 1,4 mil megawatts de energia

Rima Termelétrica/Reprodução

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Para funcionar termelétrica, será necessário construir gasoduto de São Paulo para o DF

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Projeto de termelétrica de Samambaia

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Mapa de área influenciada pela construção

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Localização da termelétrica

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Termo Norte é a empresa responsável pela instalação da usina

Termo Norte/ Reprodução

“A Arayara tem um mapeamento do número de doenças respiratórias em locais próximos a termelétricas e as pessoas desenvolvem doenças respiratórias. Então, não se pode colocar mais um fator extenuante”, explica. O Relatório apresenta também  interceptações em Ceilândia e no Sol Nascente.

Por sua vez, os benefícios citados são a geração de expectativas favoráveis em relação ao empreendimento, geração de trabalho e renda, dinamização da economia regional e fortalecimento do Sistema Interligado Nacional (SIN).

Pelo próprio relatório de impacto, os malefícios são cinco vezes maiores que os benefícios que podem ser apresentados. “A gente percebe que o DF não precisa dessa térmica, que é uma energia cara e ainda vai sobrecarregar a rede e dificultar que receba outros tipos de energia. Haverá uma impacto ambiental em 31 hectares do local”, destaca.

O engenheiro reforça, ainda, a preocupação com o consumo de água no Rio Melchior. “É um rio pequeno, parece um córrego. Um período de seca prolongada e com essa demanda toda diária dele é bem possível que o rio entre em uma escassez”, completa.

Problemas hídricos

A Usina Termelétrica estará a 500 metros do Melchior e terá uma adutora para captar um volume de 110m³/h de água – o equivalente a 110 mil litros. Após usar a água, a usina pretende devolver 104 mil l/h ao rio.

“É uma preocupação muito grande com esse rio porque a gente não sabe o que vai acontecer. Eles falam que vão usar 110 mil litros por hora e devolver 104 mil litros, ou seja, o rio vai perder 6 mil litros por hora”, destaca Newton Vieira, ativista ambiental em defesa ao Rio Melchior.

“Brasília fica muito tempo sem chuva, é um rio que fica extremamente assoreado, perdendo esse tanto de líquido diariamente, hora a hora, o que vai acontecer com o rio? Essa é a nossa maior preocupação”, completa.

Rei do Gás

Como o DF não tem gás natural para a geração de energia, ainda será necessário construir um gasoduto. O projeto da empresa cita um que também está em fase de licenciamento o sistema que vai trazer de São Carlos (SP) para o DF. Esse modelo seria implantado e ficaria sob responsabilidade da Transportadora de Gás Brasil Central (TGBC).

Por coincidência, a Termo Norte e a TGBC têm o mesmo sócio: Carlos Seabra Suarez  — fundador da empreiteira OAS e conhecido como Rei do Gás. O empresário está na lista dos 100 maiores doadores de dinheiro para campanhas nas eleições de 2024, conforme o Metrópoles publicou em outubro do ano passado.

Esse possível conflito de interesses é apenas um dos pontos questionados por entidades da sociedade civil, como o Instituto Internacional Arayara, que acionou a Justiça e pediu o adiamento da audiência pública.

Movimentações políticas

Em meio a essas discussões, Carlos Suarez desembarcou em Brasília nas vésperas do início da votação no Congresso de vetos que, caso derrubados pelos parlamentares, podem beneficiar a produção de energia elétrica com a combustão de gás natural

O Rei do Gás se reuniu com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) na última terça-feira (18/3), que teria pressionado o governo federal pela demissão do Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

Após o encontro, circularam rumores de que Alcolumbre teria pressionado o governo federal pela demissão do Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

O empresário também se destaca por sua influência nos círculos políticos e pelo uso estratégico de articulações nos bastidores para viabilizar interesses comerciais. Desde a inclusão de jabutis legislativos até o financiamento de campanhas e festas exclusivas com figuras do alto escalão do poder público, Suarez consolidou uma rede de contatos privilegiada.

Uma de suas principais estratégias envolve a tentativa de inserir emendas de seu interesse em medidas provisórias e projetos de lei. Em novembro de 2023, um jabuti incluído na medida provisória do marco regulatório das energias renováveis favorecia Suarez ao obrigar a contratação compulsória de usinas térmicas a gás. Após a repercussão negativa, a emenda foi retirada da MP e inserida no projeto de lei das eólicas offshore, que terminou sendo aprovado no Congresso.

Além das manobras legislativas, Suarez tem forte presença nos bastidores da política brasileira, especialmente na Bahia. Sua proximidade com o deputado Elmar Nascimento, líder do União Brasil, é vista como um ativo político valioso. Essa relação ficou evidente em festas privadas organizadas pelo parlamentar, como um luxuoso réveillon em uma ilha na Baía de Todos os Santos, de propriedade do próprio Suarez. O evento, realizado entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024, contou com a presença de ministros de Estado, governadores, juízes e outras autoridades.

Elmar Nascimento foi o relator da privatização da Eletrobras que garantiu a construção de termelétricas em capitais que não eram abastecidas pelo sistema, que é o caso de Brasília.

Enquanto o empresário trabalha para viabilizar a termelétrica, moradores do Distrito Federal tentam entender os efeitos nocivos dessa construção na capital do país.

O que diz a Secretaria de Educação sobre a mudança da escola

A Secretaria de Educação do Distrito Federal informou que não há previsão de fechamento ou mudança da escola, uma vez que isto só ocorrerá com a construção de uma nova unidade escolar. A pasta alega que, considerando a construção da usina termelétrica a gás natural em localização nas proximidades da Escola Classe Guariroba, e a segurança e o bem-estar da comunidade escolar, estará em análise a possibilidade de realocação da referida escola para uma área mais adequada e distante do perímetro da obra. “Essa medida visa garantir um ambiente seguro e propício ao desenvolvimento das atividades pedagógicas, respeitando as normativas vigentes e priorizando a integridade dos alunos, professores e demais servidores”.

O Metrópoles procurou a empresa responsável pela usina termelétrica em Brasília, mas não teve resposta até a última atualização do conteúdo.

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