Há 25 anos, foi descoberta na Dordogne, França, a Caverna de Cussac, um verdadeiro tesouro da pré-história, com figuras gravadas de bisões, mamutes e cavalos nas pedras, além de restos humanos datados de cerca de 30 mil anos. Esse local, intacto e frágil, é protegido de forma rigorosa pelo Estado francês.
Mesmo os profissionais e especialistas só podem permanecer no local durante quatro semanas por ano. Após atravessar um portão de ferro, os jornalistas tiveram que vestir roupas de proteção, como um macacão branco, touca e luvas, e desinfectar os calçados antes de atravessar um estreito corredor, engatinhando por entre os escombros que isolaram o local por milênios.
A aventura continuou em galerias de estalactites e estalagmites iluminadas apenas por lanternas, enquanto seguiam o mesmo caminho percorrido pelo espeleólogo Marc Delluc, que fez a descoberta em setembro de 2000.
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Na época, Delluc, espeleólogo amador, percebeu um fluxo de ar em um abrigo rochoso e, após remover uma a uma as pedras que obstruíam a entrada, percorreu cerca de 100 metros até se deparar com as primeiras figuras gravadas. “Foi quando senti uma verdadeira explosão de adrenalina ao ver as curvas e silhuetas se entrelaçando acima de minha cabeça”, relembrou Delluc, que, com seu equipamento rudimentar de iluminação, teve que voltar, “com a cabeça fervendo” pela grandiosidade do que acabara de encontrar.
“Santuário” pré-histórico
Com 1,6 km de extensão, a Caverna de Cussac (Grotte de Cussac, no original em francês) abriga mais de mil figuras, completas ou parciais, de animais e figuras femininas, esculpidas na rocha durante o Período Gravetiano, entre 35 mil e 26 mil anos atrás, ou seja, milhares de anos antes mesmo da famosa Caverna de Lascaux, também na França.
“A Caverna de Cussac é excepcional, especialmente por seu excelente estado de preservação. Acredita-se que tenha sido fechada rapidamente após a sua ocupação, o que ajudou a preservar os vestígios e os solos”, destacou Émeline Deneuve, conservadora-chefe de patrimônio na Direção Regional de Assuntos Culturais (DRAC) da região francesa de Nova Aquitânia.
As marcas nas paredes indicam a presença do urso das cavernas, um antigo parente do urso pardo (Ursus arctos). E foi nos buracos que esses ursos cavavam para hibernar que foram encontrados restos humanos, contemporâneos da arte rupestre. Seis indivíduos foram identificados.
Área de rituais ou simbolismos
Jacques Jaubert, arqueólogo responsável pela pesquisa multidisciplinar na área, descreve a caverna como um “santuário”, um local onde não havia vida cotidiana, mas sim uma área de rituais ou simbolismos. O acesso à caverna é perigoso, e o grupo humano provavelmente vivia ao ar livre ou em abrigos sob rochas.
Jaubert sugere que a caverna poderia ter sido um “lugar de passagem entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos”, uma ideia comum em grupos de caçadores-coletores primitivos. Ele também acredita que as gravuras são fragmentos de mitologia, criadas com ferramentas de sílex, madeira e ossos, retratando cenas que possivelmente faziam parte de um ritual ou narrativa visual.
Animais como rinocerontes e gansos, além de representações estilizadas de figuras femininas, são frequentemente mostrados com cabeças grandes e patas finas. “O artista gravetiano, não tinha ‘uma visão completa’ devido à sua posição sob uma parede que formava um teto e podia se dirigir a um ‘auditório’ abaixo, segundo a especialista em arte rupestre Valérie Feruglio, que estuda as superposições das representações.
Tecnologia a serviço da preservação
A pesquisa na Caverna de Cussac é cuidadosamente monitorada para garantir a preservação do local, classificado como Monumento Histórico desde 2002. O Estado francês adotou um plano de gestão rigoroso, que inclui restrições a atividades de silvicultura, agricultura, urbanização e transporte nas áreas ao redor da caverna.
“Estamos comprometidos com a preservação e documentação do local. Como a caverna está bem preservada, apoiamos a pesquisa, desde que ela respeite os critérios de conservação do patrimônio”, afirmou Émeline Deneuve. Para tornar a caverna acessível ao público, foram criadas exposições com réplicas desde outubro, em Buisson-de-Cadouin, mas a entrada na caverna é proibida por questões de segurança e preservação.
O governo francês não deseja repetir os erros cometidos com a Caverna de Lascaux, que foi contaminada por microrganismos devido ao afluxo de visitantes antes de ser fechada em 1963. A preservação da Caverna de Cussac também inclui a aquisição de terrenos nas superfícies acima da caverna, para garantir a integridade do local.
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