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segunda-feira, 13 janeiro, 2025
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    HomeSaúdeTerapia gênica: tratamentos podem ter efeitos colaterais desconhecidos

    Terapia gênica: tratamentos podem ter efeitos colaterais desconhecidos

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    A terapia gênica representa uma das maiores revoluções da medicina moderna. Ela reúne tratamentos que introduzem genes modificados para substituir alguns que já não são funcionais no corpo e causam doenças graves, como a atrofia muscular espinhal (AME) e a síndrome muscular de Duchenne.

    Pelo preço alto e os benefícios, tratando doenças que antes não tinham opção ofertada pela medicina, as terapias se tornaram conhecidas — não faltam campanhas de arrecadação para custear a aplicação. Porém, os medicamentos não são uma bala de prata. Ao resolver um problema, podem criar outros: os impactos das intervenções no organismo humano ainda não são completamente compreendidos.

    Cientistas e médicos alertam que o entusiasmo em torno das terapias deve ser acompanhado por um olhar cuidadoso sobre os riscos e efeitos colaterais potenciais. Pais e responsáveis por crianças que passam por esses tratamentos devem ser sempre informados dos possíveis impactos na saúde.

    Para a pediatra Ana Lúcia Langer, especialista em distrofia muscular de Duchenne, ainda não há dados suficientes para determinar os efeitos a longo prazo dessas intervenções. Em muitas das doenças para as quais os tratamentos são indicados, a expectativa de vida dos pacientes não superava mais que duas décadas. Portanto, o universo depois de anos de tratamento é ainda desconhecido.

    Embora estudos clínicos forneçam informações iniciais, apenas o acompanhamento prolongado de pacientes trará respostas concretas. “Os primeiros grupos tratados com terapia gênica completam cinco anos de acompanhamento agora. Isso nos dá dados iniciais, mas ainda distantes de um conhecimento pleno”, explica a especialista.

    O que são as terapias gênicas?

    As terapias gênicas tiveram início na década de 1990, quando os cientistas começaram a utilizar vetores virais para transportar genes saudáveis adaptados para as células doentes. Desde então, o campo evoluiu significativamente, levando ao desenvolvimento de tratamentos para doenças raras e graves. Contudo, a novidade também traz consigo desafios que ainda precisam ser superados.

    A estimativa é de que mais de 60 novos medicamentos desse tipo chegarão ao mercado até 2030. A biomédica Larissa de Paula, professora do Centro Universitário Internacional Uninter, pondera, no entanto, que a maioria deles terá custos que os tornam inacessíveis às famílias, precificados na casa dos milhões.

    Ilustração mostra processo de edição genética do CRISPR
    Edição de genes pode curar doenças, mas seu uso a longo prazo ainda é cheio de incertezas

    A terapia gênica contra Duchenne

    O Elevidys, por exemplo, foi aprovado recentemente pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o tratamento da distrofia muscular de Duchenne (DMD). Ele usa princípios da terapia gênica e ficou conhecido pelo alto custo, estimado em R$ 19 milhões.

    As crianças que têm a doença possuem uma falha no gene que codifica a proteína distrofina. O medicamento se baseia na introdução de uma microdistrofina elaborada a partir do código genético do paciente para corrigir o problema. Apesar dos evidentes efeitos benéficos em prolongar a vida dos pacientes, o remédio não está isento de efeitos colaterais.

    “Ele entra nas células através de um vetor viral, o que pode ser identificado como uma ameaça pelo corpo e levar a efeitos inflamatórios. Além disso, a medicação não elimina os potenciais riscos cardíacos da doença e pode trazer efeitos a longo prazo que ainda são desconhecidos”, explica a pediatra Ana Lúcia, que atende em São Paulo. A médica tinha um filho com Duchenne, falecido em 2020.

    Efeitos colaterais sob a lupa

    Os problemas associados à terapia gênica não se restringem ao Elevydis. Outro remédio muito conhecido é o Zolgensma, usado para atrofia muscular espinhal (AME). Com dose única custando aproximadamente R$ 10 milhões, o remédio também pode trazer alguns efeitos colaterais previstos em bula.

    O Zolgensma pode estimular o desenvolvimento de enzimas no fígado com potencial para causar lesões se não forem indentificadas rapidamente, além de baixar a quantidade de plaquetas no sangue, aumentando o risco de hemorragia.

    Como nestes casos os pacientes fazem usos de remédios com vetores virais, eles não poderão receber outras doses ou outros remédios que usem a mesma estratégia no futuro. Além disso, reações leves — como febre baixa, dor de cabeça e sintomas semelhantes aos de uma gripe — são comuns como reação do corpo à presença do vírus.

    “Sem dúvida, a diminuição dos eventos adversos ainda é um desafio para os desenvolvedores. É mais uma entre as várias barreiras enfrentadas para garantir a segurança e eficácia desses tratamentos, que vai desde o treinamento de pessoal até a criação de instalações apropriadas”, explica Larissa.

    Ilustração mostra um genoma de DNA em azul e prata
    DNA é a parte das células que guarda a informação genética do indivíduo, como o manual de instruções do corpo. Terapias novas induzem modificações em partes defeituosas destes códigos

    O alto custo das inovações

    Para a vice-presidente da Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal e Erros Inatos do Metabolismo, Carolina Fischinger, o principal desafio dessas terapias está em seus custos elevados e como eles podem comprometer a capacidade das famílias de fazer o acompanhamento correto do tratamento, antes e depois das terapias gênicas.

    “Temos tratamentos de terapias gênicas que têm custos elevados por reflexo dos complexos processos de pesquisa e desenvolvimento e pela questão da raridade das doenças. Só acompanhando um número grande de pacientes podemos entender totalmente o custo-benefício dessas terapias, mas sem dúvida, são opções que salvam vidas e são avanços inestimáveis para quem tem acesso a elas”, afirma.

    Perspectivas para o futuro

    Apesar das incertezas, a terapia gênica continua a ser uma luz de esperança para pacientes com doenças graves. “O objetivo é sempre garantir que os benefícios superem os riscos, promovendo melhor qualidade de vida”, afirma Ana Lúcia.

    “Hoje, já contamos com terapias aprovadas, respaldadas por estudos clínicos sólidos e por dados reais de pacientes. Isso nos dá segurança para planejar cuidados mais personalizados e eficientes. Essas terapias ajudam o corpo a ter uma leitura melhor do gene com a mutação, permitindo um tratamento mais funcional, ainda que não perfeito”, conclui a pediatra.

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