A ofensiva econômica do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra o Brasil abriu caminho para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criasse um terreno fértil para ampliar o discurso de defesa da soberania nacional, estratégia antiga do político. Em resposta à taxação de 50% sobre produtos brasileiros, o PT tem intensificado nas redes sociais uma campanha que reforça a imagem do mandatário como defensor dos interesses do País, tema que pode ser central para trabalhar a campanha de 2026.
Segundo analistas, a crise gerada pelo tarifaço permitiu ao governo resgatar a retórica do “nós contra eles” e polarizar o debate em torno do nacionalismo, contrapondo Lula ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu aliado norte-americano. Para Antonio Jorge Ramalho da Rocha, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), “a agressividade e a falta de critérios do presidente Trump em relação à imposição da tarifa sobre produtos brasileiros é tão absurda que estimula mesmo quem não tem simpatias pelo presidente Lula a apoiá-lo na defesa do interesse nacional”.
A pesquisa AtlasIntel/Bloomberg, divulgada na terça-feira (15/7), indica uma oscilação positiva na aprovação de Lula depois que Donald Trump anunciou que irá taxar em 50% os produtos brasileiros vendidos para o mercado norte-americano. O indicativo da Casa Branca é que a taxação passará a valer a partir do dia 1º/8.
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O levantamento foi realizado logo após o presidente dos Estados Unidos anunciar que vai sobretaxar os produtos brasileiros. O líder norte-americano informou que a nova alíquota será aplicada em decorrência do que ele chamou de “caça às bruxas” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.
“Isso vem sendo bem explorado pelo presidente Lula, de que existe talvez uma invasão dos assuntos privativos do Brasil, uma invasão na soberania do Brasil, isto pode sim, na minha maneira de ver, dar um alento aí a ele na queda de popularidade que ele vinha e vem enfrentando”, avalia Rubens Beçak, professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP).
Enquanto isso, aliados do presidente consideram que o embate deu um novo ânimo para a esquerda. O presidente do PT, senador Humberto Costa (PE), considera que o governo encontrou “um eixo político na defesa das suas ideias” e que isso levou o grupo de volta ao embate. “Eu acho é a posição política que tem mobilizado a nossa militância, que tem conquistado muitas pessoas que estavam com a postura crítica em relação ao Executivo”, completou.
Campanha de 2026
Lula é cotado como o principal candidato à presidência da esquerda. Já no campo contrário, o cenário ainda é indefinido. Entre os nomes da direita que buscam se cacifar, destacam-se os governadores de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), o do Paraná, Ratinho Jr (PSD), o de Minas, Romeu Zema (Novo), e o de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Beçak destaca ainda que o movimento de Trump pode enfraquecer os presidenciáveis da oposição, como Tarcísio de Freitas, que chegou a posar com o boné do movimento trumpista “Make America Great Again”.
“Eu acho que o Tarcísio dificilmente se lança para a presidência da República se não tiver a sinalização muito clara do Bolsonaro. Ele vestiu o boné do Trump, Make America Great Again [Maga], ele apoiou a decisão e depois ele recuou. Nessa disputa eleitoral que a gente vai ver ano que vem vai explorar toda essa questão: vai dizer se o Tarcísio for candidato ‘um candidato que não apoia o Brasil’”, afirma Rubens Beçak.
A ofensiva de Trump coincidiu com o momento em que o PT lançava uma campanha virtual com o nome “nós contra eles”, na qual o partido acusa o Congresso Nacional de proteger os mais ricos, enquanto o governo defende a redução de impostos para a classe mais vulnerável. A ação teve início com o debate sobre alterações feitas pelo governo no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), após o Legislativo derrubar um decreto do Executivo.
“Essa recuperação da imagem do Lula tem dois passos. O primeiro tem a ver com a questão do IOF. Ou seja, na medida em que o governo veio ao debate público, ele acabou, de certa forma, capturando a ideia de que defendia os mais pobres, enquanto o Congresso estava protegendo os mais poderosos”, elenca o professor Marco Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
“Segundo passo é que Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo deram um presentão para o Lula quando Trump soltou aquela carta anunciando a taxação de 50%. Além disso, está interferindo em assuntos domésticos do Brasil, como democracia, sistema de Justiça e política, dizendo que não é um país democrático. Essa ação do Trump isolou a família Bolsonaro e fortaleceu Lula como alguém que é visto como o líder do país que está defendendo os interesses nacionais”, complementa Marco Teixeira.
Reciprocidade
O governo brasileiro anunciou que usará a Lei de Retaliação Econômica para responder à nova tarifa norte-americana. A norma permite impor tarifas proporcionais, suspender acordos comerciais ou direitos de propriedade intelectual dos Estados Unidos. O Palácio do Planalto, no entanto, aposta inicialmente na via diplomática.
O vice-presidente Geraldo Alckmin tem feito um esforço para abrir espaço de debate com indústrias e o agronegócio. Ele se reuniu com os dois setores esta semana e estabeleceu um diálogo com eles, coisa que até bem recentemente o governo federal vinha encontrando dificuldades de criar.