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quinta-feira, 13 março, 2025
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    “Passei de uma vida plena a cadeira de rodas em 4 anos”, diz paciente

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    Após uma cirurgia para retirar hérnias de disco em 2018, o aposentado Ely Marçal, que tinha 69 anos, começou a sentir dormências na perna esquerda. O problema, que não tinha nada a ver com o procedimento, evoluiu sem que os médicos descobrissem o que estava acontecendo e, em quatro anos, ele se tornou cadeirante de forma irreversível. Agora, luta para não perder o movimento das mãos.

    “Fiz de tudo, me consultei com vários especialistas, mas fui assistindo lentamente a perda das forças — primeiro na perna esquerda, depois na direita. Tudo sem saber o que estava ocorrendo comigo. Estive anos à deriva”, resume o aposentado de Vitória (ES).

    Curiosamente, tudo que Ely passou na terceira idade é fruto de uma doença rara e genética com a qual ele nasceu, a polineuropatia amiloidótica familiar relacionada à transtirretina (PAF-TTR).

    PAF-TTR: uma doença rara

    A doença degenerativa é causada por uma alteração no cromossomo 17 do DNA. A mudança leva a um aumento lento e progressivo de proteínas nocivas na musculatura, gerando acúmulos que debilitam a capacidade de movimento.

    “Se você for portador da mutação, não necessariamente significa que vai ter a condição, mas todas as pessoas doentes carregam essa mudança em seu DNA”, explica o neurologista Ryann Pancieri Paseto.

    A estimativa é que cerca de 50 mil pessoas tenham PAF-TTR em todo o mundo. O quadro é tão raro que o número de pacientes é inferior à quantidade de Ferraris que foram vendidas no planeta de 2021 para cá.

    A PAF-TTR tem duas formas de manifestação. A precoce, em que os sintomas aparecem antes dos 50 anos de idade, e a tardia, em faixas de idade superiores. “Os sintomas são similares aos de outras neuropatias periféricas: dormência nos pés, nas mãos, alteração na postura, tontura, disfunção erétil, diarreia e constipação, entre outros”, diz Pancieri.

    Apesar de rara, a PAF-TTR tem tratamentos que diminuem a velocidade de progressão da doença, mas eles não podem ser administrados no grau mais avançado de manifestação dos sintomas. Foi só quando já estava de cadeira de rodas que Ely finalmente conheceu o nome de seu inimigo.

    “Consultei médicos de sete especialidades, fiz acompanhamento de ortopedia, fisioterapia, acupuntura, ressonância magnética e tomografia. Em nenhum momento nessas primeiras consultas fui orientado a fazer um exame genético”, lembra.

    A luta por um diagnóstico

    Os sinais da PAF-TTR começaram a se manifestar em Ely poucos meses depois de uma cirurgia para reparar cinco hérnias de disco. Com o desaparecimento da dor na coluna, ele começou a notar uma dormência na perna esquerda, o que levou a investigações para saber se os nervos dos membros inferiores haviam sido afetados pela cirurgia.

    Rapidamente, porém, o que era apenas uma fraqueza na perna se tornou uma perda completa da mobilidade. Logo, ele começou a sentir os mesmos sintomas no lado direito. “Procurei todo tipo de médico, fiz 90 sessões de fisioterapia e não tive nenhuma melhora, só piorava”, conta o aposentado.

    Os médicos decidiram fazer outro procedimento cirúrgico para revisar a coluna, mas Ely estava com a pressão arterial descontrolada, com picos que atingiam 32 mmHg. Ele foi internado com urgência, e foi preciso implantar um marca-passo.

    Ele ficou 10 dias internado. Foi só durante o período no hospital que, pela primeira vez, uma neurofisiatra o aconselhou a tentar um exame genético. Porém, fazer o teste não foi tão simples assim.

    A jornada do tratamento

    O exame de DNA é feito a partir da coleta de parte da saliva, que é enviada pelos Correios a um laboratório especializado para análise minuciosa. O teste que poderia ter dado a resposta a Ely, porém, foi impactado pelo acaso.

    “O motoqueiro dos Correios que levava meu exame foi assaltado e perdeu o malote. Tive que encomendar outro, tudo demorou. Parecia carma mesmo”, lamenta.

    Quando o resultado finalmente chegou, a PAF-TTR já estava do grau 2 para o 3. “Existem vários tratamentos, mas eles dependem dos estágios da doença. Se o paciente está no primeiro ou segundo, a gente tem algumas possibilidades que ajudam a diminuir a evolução. No estágio 3, nem o transplante hepático ou drogas por via oral são eficazes”, afirma o neurologista Pancieri, que atualmente atende Ely.

    As chances de tratamento de Ely eram uma corrida contra o relógio. Estar no estágio 2 significava que ele ainda era capaz de ficar de pé e dar alguns passos, mesmo que com apoio. A partir do momento que perdesse esta autonomia, já estaria no grau 3.

    “Sabia que estava no fogo, mas tinha muita esperança de receber o remédio”, conta. No entanto, começou um jogo de empurra-empurra entre o plano de saúde de Ely e o hospital para a liberação do medicamento. O aposentado ficou quase um ano esperando a autorização e, quando ela veio, ele já não tinha mais movimento nas pernas.

    “Se tivesse descoberto antes, eu teria uma alternativa muito mais ampla de tratamento. Não foi possível. Se eu tivesse tido a orientação correta, seria outra realidade, mas não há o que fazer agora”, afirma.

    Os sintomas da PAF-TTR têm avançado nas mãos de Ely. “Agora já tenho que segurar o copo com as duas mãos para poder tomar água. Não tenho coordenação motora para pegar coisas pequenas, como uma moeda em uma mesa. Já sei que a doença vai seguir avançando”, explica.

    O aposentado passou por 90 sessões de fisioterapia achando que poderia resolver o seu problema

    A descoberta da família

    Se existe algum lado positivo em meio à luta pelo diagnóstico, foi a possibilidade de ligar o alerta para a família de Ely fazer o exame genético. “Quem deve estar mais atento são as pessoas que têm parentes portadores da doença. A gente sabe que aqui no Brasil a principal mutação é portuguesa, então os descendentes de portugueses estão mais propensos”, explica o neurologista.

    Graças à descoberta da doença de Ely, mais de 20 de seus familiares fizeram testes genéticos: foi assim que descobriram que dois de seus três filhos têm os genes para a doença, ou seja, existe chance de manifestá-la no futuro.

    Quatro de seus oito irmãos também têm a mutação, e uma irmã e duas sobrinhas já começaram a manifestar alguns sintomas de dormência.

    “Pelo menos pude levantar o sinal vermelho lá em casa. Hoje em dia alerto que todos realizem testes genéticos para não passar pelo que eu passei”, conclui Ely.

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