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terça-feira, 1 abril, 2025
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    Ossadas de mortos na ditadura estão há 20 anos na UnB para DNA

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    Em caixas e envolvidos por algodão, 28 conjuntos ósseos estão armazenados na Universidade de Brasília à espera de exames que possam identificar pessoas mortas no Araguaia durante a ditadura militar. Os restos mortais foram levados em 2001 para o laboratório da instituição e nesses 20 anos seguem mantidos sob custódia judicial na UnB.

    Em 2016, os ossos foram levados para exames pela Polícia Federal que não conseguiu levantar a identidade das pessoas. A presidente da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Eugênia Gonzaga, destacou que quanto mais o tempo passa mais complicado é de extrair o DNA.

    “A análise da Polícia Federal não se chegou a nenhum resultado sobre extração de DNA porque o DNA se perdendo quanto mais tempo passa, e quanto mais antigo fica o material biológico”, explicou.

    Quando foi encerrada a comissão no governo Bolsonaro, o órgão emitiu o relatório final recomendando que os ossos fossem levados para a Comissão Internacional sobre Pessoas Desaparecidas, ligada às Organizações das Nações Unidas e especializada nesse tipo de exame.

    O relatório aponta que os ossos na UnB estão armazenados em condições precárias. “Há caixas com materiais ósseos completamente dizimados, esfarelando e embalados em algodão”, destaca o relatório.

    A presidente da comissão ressalta que os ossos estão guardados há muito tempo e que na época talvez fosse o melhor jeito de se conservar. “Hoje em dia, já não é a forma mais indicada, porque permite a oscilação de temperatura. O ideal seria guardar no local climatizado. O algodão é material biológico, em tese não deveria ficar em contato”, acrescentou.

    A identificação é aguardada com anseio pelos familiares que não conseguiram se despedir. Atualmente, por exemplo, nenhuma mãe de desaparecidos está mais viva para enterrar os filhos mortos no Araguaia. Famílias treinam até a terceira geração para que continuem a luta em busca de resposta do que aconteceu.

    O caso das ossadas na Universidade de Brasília é necessário que o juiz da 1ª Vara em Brasília do Tribunal Regional Federal, mas o processo segue parado. O Brasil já foi inclusive condenado em 2010 na Corte Internacional de Direitos Humanos, sendo sentenciado a identificar as pessoas mortas e a punir os culpados, mas a decisão ainda não foi cumprida e se arrasta na Justiça.

    Dor de gerações

    As ossadas foram retiradas do cemitério de Xambioá (TO) em 2001, e são a esperança de familiares conseguirem enterrar seus entes.

    “É uma luta recorrente. O crime vai passando, a dor e o desaparecimento vão passando de geração para geração. Então é uma ferida que não cicatriza”, disse Marta Costta, sobrinha de Helenira Rezende, executada aos 28 anos por militares no Araguaia. A tia se juntou à guerrilha após ter sido presa, estuprada e torturada pelos militares.

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    Terceira geração de familiares cobram explicações

    Helenira era estudante universitária quando iniciou a ditadura
    Helenira
    Helenira em reunião da Une
    Esq. para direita_ Adalberto (pai) , Helenilda- irmã, Helenira, Helenice Irmã, Helenoira- irmã, Helenalda- irmã
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    Helenira aos 19 anos

    Arquivo pessoal família Helenira Resende

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    Terceira geração de familiares cobram explicações

    Arquivo pessoal família Helenira Resende

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    Helenira era estudante universitária quando iniciou a ditadura

    Arquivo pessoal família Helenira Resende

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    Helenira

    Arquivo pessoal família Helenira Resende

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    Helenira em reunião da Une

    Arquivo pessoal família Helenira Resende

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    Esq. para direita_ Adalberto (pai) , Helenilda- irmã, Helenira, Helenice Irmã, Helenoira- irmã, Helenalda- irmã

    Arquivo pessoal família Helenira Resende

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    Documentos sobre Helenira

    Arquivo pessoal família Helenira Resende

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    Documentos sobre Helenira

    Arquivo pessoal família Helenira Resende

     

    “Ela tinha duas opções e, hoje, eu consigo entender isso. Ou ela ia para fora do país ou ia para a guerrilha. Porque ela estava na clandestinidade. Então, ser presa não era uma opção. Se ela fosse presa [mais uma vez], ela era assassinada”, destacou.

    A ditadura acabou com os preceitos legais do país mantendo um governo de arbitrariedade. Nesse modelo, bastava uma denúncia (mesmo que falsa) para que a pessoa tivesse a casa invadida à noite, fosse sequestrada pelos militares e levada para torturas podendo sair viva ou não, conforme indicam os documentos da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

    Em um governo democrático, a polícia precisa de um mandado para efetuar a prisão, salvo casos de flagrante. Ainda assim, o preso passa por uma audiência de custódia para que um juiz avalie se a detenção foi legal. Os depoimentos desse investigado ainda devem ser feitos na presença de um advogado. O rito democrático não envolve espancamento, assassinato nem ocultação de cadáver, mas um julgamento em que as pessoas podem apresentar sua defesa em um tempo igual ao da acusação. Além disso, a sentença ainda deve ser publicizada.

    Marta é a segunda geração que busca respostas do que aconteceu com sua tia e a punição dos envolvidos. Ela também prepara a sobrinha para entrar nessa luta que tem sido herdada enquanto o Brasil empurra para debaixo do tapete.

    Sem notícias

    Assim como Marta, que espera a análise dos restos mortais que estão em um laboratório da UnB há 20 anos, Diva Santana, 80 anos, aguarda o levantamento dos restos mortais de sua irmã Dinaelza Santana e do seu cunhado Vandick Reidner Pereira Coqueiro. Os dois também foram executados no Araguaia e acredita-se que seus restos mortais estão com os demais na UnB.

    A última notícia que Diva teve de sua irmã foi em uma carta de 1971 dizendo que estava bem. A família era constantemente vigiada, com carros na porta de casa todos os dias. Vizinhos e amigos se afastaram do imóvel que já tinha sido alegre e a família evitava falar o nome de Dinaelza seguindo a orientação da mãe que repetia: “mato tem ouvido e paredes têm vozes”.

    Por volta de oito anos, não se teve qualquer informação da geógrafa. Até que se surpreendeu ao ser informada que a irmã teria morrido no Araguaia. Em uma matéria de jornal, ela identificou Dinaelza e o cunhado entre os mortos na chacina. “Aí eu peguei e vi que um trecho que dizia que no final de 1970 chegaram à região um estudante de economia João e uma de geografia, Maria, os dois vindos da Bahia. O rapaz, quando viu aqui para mim, a ficha caiu. Parece que um buraco se abriu em meus pés, porque eu tinha lido tudo com muito sofrimento”, contou.

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    Dinaelza

    Vandick Reidner
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    Dinaelza santana e Vandick

    Arquivo pessoal família Dinaelza santana

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    Dinaelza

    Arquivo pessoal família Dinaelza santana

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    Vandick Reidner

    Arquivo pessoal família Dinaelza Santana

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    Arquivo pessoal família Dinaelza santana

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    Arquivo pessoal família Dinaelza santana

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    Arquivo pessoal família Dinaelza santana

    Cinquenta anos da vida de Diva têm sido dedicados a conseguir identificar a irmã e ter justiça à sua morte. Nesses anos, ela se depara com uma constante impunidade e tentativa de apagamento dessa parte da história recente brasileira.

    “O Brasil é condenado a entregar os arquivos militares, dizer onde nossos parentes foram sepultados e fazer o traslado. Até hoje, eles não disseram”, afirma. “Você vê como a impunidade inteira, como a impunidade inteira. O Brasil é condenado pela pela Corte Interamericana desde 2010. E não cumpre as sentenças, não cumpre nem da 1ª Vara Federal e nem da Corte Interamericana. Simplesmente não cumprem as sentenças”, completou.

    Vala clandestina

    O caso do Araguaia é similar em algumas características quanto ao caso da vala clandestina de Perus, em São Paulo. Na última segunda-feira (24/3), o governo brasileiro formalizou um pedido de desculpas quanto à negligência da União na guarda e identificação dos remanescentes ósseos no cemitério ilegal.

    A vala foi usada por militares para desovar os cadáveres durante a década de 1970. A abertura do cemitério clandestino foi feita em 1990 e no local foram retirados 1.049 conjuntos ósseos que não tinham qualquer identificação.

    A abertura da vala clandestina foi realizada em setembro de 1990. O local usado ilegalmente escondeu corpos de pessoas indigentes, de desconhecidos e daqueles considerados opositores ao regime de opressão iniciado em 1964.

    O Ministério Público Federal denunciou as instituições envolvidas foram denunciadas pela condução dos trabalhos e pelas condições precárias de armazenamento dos remanescentes.

    O Metrópoles questionou o TRF-1 sobre o caso que se arrasta há quase 40 anos desde a entrada do processo na corte em Brasília, mas o tribunal disse apenas que o caso está em segredo de justiça.

    A reportagem também questionou a Universidade de Brasília sobre a situação das ossadas encontradas no Araguaia, mas a instituição não respondeu. O espaço segue aberto para possível manifestação.

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