Em dezembro de 2020, Marina Figueiredo, de 43 anos, procurou um dentista para realizar uma rinomodelação. O procedimento é comumente feito com ácido hialurônico, mas em vez disso, o profissional realizou uma rinoplastia sem anestesia e as condições adequadas.
“Ele vendeu como rinomodelação, falava que ia afinar a ponta do meu nariz. Deixou claro que não era com ácido hialurônico, mas em nenhum momento disse que faria uma rinoplastia. ‘Rinomodelação definitiva’, foi o nome que ele inventou”, conta Marina, que é jornalista e empresária.
Durante cerca de 40 minutos, o dentista utilizou um bisturi para perfurar a parte interna do nariz de Marina e, com uma agulha, costurou a ponta, unindo as laterais. Depois, cortou e deu pontos internos para fechar o corte. O resultado foi um desastre.
“Meu nariz ficou deformado. Uma narina ficou empinada para cima e a outra para baixo, o que prejudicava minha respiração. Além disso, um fio usado para ‘afinar’ a ponta começou a extravasar pela lateral, causando infecções graves e risco de necrose”, relata.
Cirurgia de reconstrução foi a única saída
Depois de reclamar com o dentista, Marina passou por um segundo procedimento, que piorou ainda mais sua situação. “Ele refez e estragou tudo. Quando saí de lá, meus dois lados do nariz estavam para cima. Mas, em dois ou três dias, tudo caiu e fiquei com uma cicatriz em uma das narinas”, diz.
Desesperada para corrigir o problema, ela procurou 11 cirurgiões plásticos. Todos foram unânimes em afirmar que apenas uma rinoplastia secundária poderia reparar os danos. Apesar disso, a maioria afirmava que o procedimento seria extremamente difícil e delicado, e que não poderia realizar a cirurgia.
“Passei por uma cirurgia de sete horas. Retiraram um enxerto da minha cartilagem para reconstruir meu nariz. Só assim consegui respirar corretamente e recuperar minha aparência”, relata.
Além do impacto físico, o caso teve repercussões emocionais e profissionais. “Como jornalista, trabalho com vídeos e minha imagem é essencial. Ficar deformada por vários meses foi um sofrimento imensurável”, lamenta.
Marina denunciou o caso, mas o dentista segue atuando. “Ele continua fazendo esses procedimentos em Goiânia e Brasília. Fiz denúncia no Conselho Regional de Odontologia e ele foi condenado, mas a punição foi uma multa de três meses. O próprio conselho reconheceu que o que ele faz não pode ser executado, pois dentista não pode dar pontos e nem cortar. Mesmo assim, ele segue atendendo normalmente”, conta.
CFO quer permitir cirurgias plásticas por dentistas
O Conselho Federal de Odontologia (CFO) anunciou recentemente uma proposta para habilitar dentistas a realizarem cirurgias plásticas no rosto. A medida permitiria que profissionais com formação focada em dentes e anatomia bucal pudessem realizar procedimentos estéticos faciais após uma breve especialização.
Para o cirurgião plástico Tristão Maurício, que atua em Brasília, a proposta ignora a complexidade desses procedimentos. “Cirurgia plástica envolve riscos, por isso é uma especialidade médica séria. Pacientes entram pela porta bem e precisam sair melhor ainda. Para se realizar uma cirurgia plástica, é preciso ser médico cirurgião plástico. Parece óbvio, mas não tem sido”, afirma.
Maurício reforça que conhecer a anatomia de uma região não significa estar apto a operar. “Isso é uma invasão. Um desrespeito à ciência da cirurgia plástica”, diz.
A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) também se manifestou contra a proposta do CFO, destacando que a especialidade exige uma formação longa e rigorosa de 12 anos.
“A prática de cirurgias plásticas — mesmo que de pequeno porte — por profissionais não qualificados é uma decisão de altíssimo risco à saúde dos pacientes, inclusive com a possibilidade de óbito”, afirma a entidade em nota enviada ao Metrópoles.
Procurado pela reportagem, o Conselho Federal de Odontologia afirmou que a resolução sobre cirurgias estéticas faciais ainda está em fase de elaboração e que os procedimentos permitidos e suas exigências não foram definidos. O CFO defendeu que a regulamentação representará um “avanço importante para a Odontologia” e garantirá segurança à população.
Sobre o caso de Marina Figueiredo, o conselho informou que a denúncia resultou na instauração de um processo ético já encerrado. O cirurgião-dentista foi condenado a censura pública e multa.
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