Um medicamento experimental mostrou potencial para reduzir o risco de demência relacionada ao Alzheimer em pessoas geneticamente predispostas a desenvolver a doença ainda na meia-idade.
Os resultados, publicados em 19 de março na revista The Lancet Neurology, indicam que o gantenerumabe faz a remoção de placas amiloides do cérebro e pode atrasar o início da doença.
Para os pesquisadores da Universidade de Medicina de Washington (WashU), que lideraram o estudo, mesmo que ainda em caráter experimental, a descoberta é um marco no campo da prevenção da demência por permitir aos pacientes iniciar tratamento anos antes dos sintomas.
Como foi feito o estudo?
O estudo envolveu 73 participantes com mutações genéticas raras que causam superprodução da proteína amiloide — o acúmulo da substância no cérebro está relacionada ao desenvolvimento do Alzheimer. Os voluntários tinham entre 30 e 50 anos e não tinham sinais de demência.
Entre os participantes, 22 tiveram o risco de desenvolver sintomas do Alzheimer nos próximos 10 anos reduzido de quase 100% para aproximadamente 50%.
Os demais tiveram uma redução menor, de apenas 20% do risco, mas muitos interromperam o tratamento antes dos três anos planejados (80%), seja por desistências dos patrocinadores ou dos voluntários (o estudo foi realizado durante o pico da pandemia de Covid-19).
“Todos neste estudo estavam destinados a desenvolver a doença de Alzheimer, e alguns ainda não a tiveram”, afirmou o neurologista Randall J. Bateman, autor principal do estudo. “Ainda não sabemos por quanto tempo permanecerão sem sintomas, talvez anos ou décadas. Continuamos o tratamento na esperança de que nunca tenham sinais da doença”, disse.
Tratamento precoce para o Alzheimer
As descobertas reforçam a hipótese que sugere que o acúmulo de placas amiloides no cérebro é o primeiro passo para a demência. A remoção dessas placas, ou o bloqueio de sua formação, pode impedir o surgimento dos sintomas. O estudo avaliou os efeitos do gantenerumabe, medicamento experimental da Roche, que reduziu os níveis de amiloide e melhorou marcadores da doença, embora sem benefícios cognitivos evidentes no grupo sem sinais da demência.
O ensaio original, iniciado em 2012, foi estendido para investigar se doses mais altas ou tratamento prolongado poderiam prevenir o declínio cognitivo. A extensão, no entanto, foi interrompida em 2023 após a Roche descontinuar o desenvolvimento do gantenerumabe, devido a resultados insatisfatórios em testes de fase 3 com pacientes já sintomáticos.
A análise dos dados mostrou que o tratamento prolongado — em média oito anos — reduziu pela metade o risco de desenvolver sintomas.
Efeitos colaterais e próximos passos
O uso do gantenerumabe foi associado a pequenas hemorragias no cérebro, detectadas em exames de imagem. Também foi demonstrado um inchaço no órgão. Dois casos graves levaram à interrupção do tratamento, mas não houve mortes ou eventos com risco de vida. O perfil de segurança do medicamento foi considerado consistente com estudos anteriores.
Com o fim dos testes do gantenerumabe, a maioria dos participantes passou a receber lecanemabe, um outro medicamento antiamiloide aprovado em 2023 para retardar o declínio cognitivo em pacientes sintomáticos. A pesquisa também iniciou um novo teste com o remternetug para avaliar a prevenção primária em pessoas até 18 anos, décadas antes do início esperado dos sintomas.
Impacto além das formas genéticas
Embora o estudo tenha focado em formas genéticas de Alzheimer de início precoce, os pesquisadores acreditam que os resultados podem ajudar no desenvolvimento de estratégias de prevenção para todas as formas da doença. Tanto o Alzheimer de início precoce quanto o de início tardio envolvem o acúmulo de amiloide no cérebro décadas antes dos sintomas.
“Se ensaios de prevenção para o Alzheimer de início tardio tiverem resultados semelhantes, poderemos ter tratamentos preventivos para a população em geral”, concluiu Bateman. A esperança é que, em breve, milhões de pessoas em risco possam ter acesso a tratamentos que atrasem o início da doença.
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