Nesta quarta-feira (5/2), Fátima Pinho, 51 anos, deixou a comunidade de Manguinhos, bairro na Zona Norte do Rio de Janeiro, para viajar a Brasília em sua luta para não ver mais mortes, como a de seu filho, por ações policiais violentas em comunidades carentes. No Supremo Tribunal Federal (STF), ela pediu visibilidade e respeito às leis.
Fátima viajou a Brasília para participar do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, proposta para reduzir a letalidade policial no Estado do Rio de Janeiro. Ela assitiu ao voto do ministro Edson Fachin, que abordou a redução da violência e das mortes nas favelas desde que o Supremo deu diversas decisões que o intuito de reduzir a violação de direitos fundamentais.
Fátima perdeu o filho Paulo Roberto Pinho, em 2013, e diz que ele foi vítima de violência policial. À época, ele tinha os 18 anos. “Era jogo do Flamengo, tava aquela agitação toda. Ele estava mais três amigos e foi defender o irmão de 15 anos de uma abordagem. Os policiais foram em direção dele só. Agarraram ele. Ele era grande, agarrou de volta. Um policial deu um mata-leão nele e ele morreu por asfixia”, contou Fátima ao Metrópoles, nesta quarta-feira (5/2).
Desde o dia da morte do filho, Fátima encontrou na perda e na dor um motivo para lutar. Ela fundou o movimento de Mães de Manguinhos. “Estamos aqui para lutar por todos. Pelas mães que vêm seus filhos irem à escola e não voltar porque levaram um tiro”, disse a moradora da comunidade, em salão do STF.
Ao Metrópoles, Fátima defendeu as medidas adotadas pelo STF. Disse que as mortes reduziram consideravelmente e que derrubar as medidas já aprovadas e implementadas, com início em 2019, seria uma perda. Veja depoimento:
Fátima afirma que as mortes em operações da polícia nas favelas do Rio diminuíram consideravelmente desde que o STF tomou as primeiras decisões para reduzir a letalidade policial.
Entre as medidas definidas pelo Supremo, estão a restrição a operações em favelas durante a pandemia da Covid-19, a obrigação do uso de câmeras nas fardas dos policiais do Rio e o envio de ambulâncias para operações que podem resultar em conforto.
Voto
Edson Fachin, do STF, concluiu seu voto da chamada “ADPF das favelas” nesta quarta-feira (5/2). Ele rebateu críticas feitas pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD). Em vídeo publicado em suas redes sociais, Paes disse que, após as medidas tomadas pela Corte, desde 2019, existe a sensação de que a cidade virou um “resort para delinquentes”.
O prefeito, na gravação, critica a ADPF. “O que a gente tem visto na cidade o tempo todo é um aumento da ocupação territorial pelo crime organizado na cidade do Rio de Janeiro. Essa ADPF tem um problema grave, fica a impressão de que o Rio de Janeiro virou, sei lá, um resort para delinquentes”, disse Paes no vídeo.
Fachin, ao usar dados em um voto de 200 páginas, frisou que o STF nunca proibiu a realização de operações policiais, mas tão somente exigiu o atendimento a parâmetros mínimos de planejamento, transparência e controle externo e, especialmente no período da pandemia, a comprovação de sua excepcionalidade, cuja aferição se dá por análise e decisão das próprias forças policiais.
Disse ainda que não há “respaldo fático” nas afirmações do Estado do Rio de Janeiro, em sua manifestação final na ação, de que decisões tomadas na ADPF teriam tido “consequências práticas” como a “migração de criminosos nacionais e estrangeiros para o Rio de Janeiro” ou a “criação de entrepostos invioláveis (…) para a comercialização de armas e drogas nas comunidades do Rio de Janeiro”.
Veja vídeo de Paes:
Ação da Prefeitura do Rio contra a ADPF 635.
Nosso posicionamento! pic.twitter.com/ipdcqV3idx— Eduardo Paes (@eduardopaes) February 4, 2025
O que está sendo julgado?
- O STF retomou, nesta quarta-feira (5/2), o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, proposta para reduzir a letalidade policial no Estado do Rio de Janeiro. A análise começou em novembro de 2024, com a leitura do voto do relator, ministro Edson Fachin, e a apresentação de argumentos por partes e terceiros interessados. A ação é uma sinalização e estabelecimentos de critérios para a segurança pública.
- A ação foi apresentada em 2019 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), que alegou violação massiva de direitos fundamentais no estado, em razão da omissão estrutural do Poder Público na adoção de medidas para reduzir a letalidade policial.
- O autor da ação aponta a existência de um quadro de grave violação generalizada de direitos humanos em razão do descumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Favela Nova Brasília.
- A decisão reconheceu ter havido omissão relevante e demora do Estado do Rio de Janeiro na elaboração de um plano para a redução da letalidade dos agentes de segurança. Decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos são vinculantes para o Estado brasileiro, ou seja, representam uma obrigação.
Fachin apresentou dados coletados durante o curso do processo. O ministro observou que há dados públicos indicando que, embora tenha sido realizado um grande número de operações entre 2019 e 2023, houve uma redução de 52% nas mortes decorrentes de intervenção policial, com decréscimo, inclusive, do número de policiais mortos em serviço.
Segundo dados do MPE-RJ, o número de operações policiais aumentou, com registro oficial de 457 operações policiais somente no primeiro quadrimestre de 2024, o que, para o ministro, derrubaria insinuações de que as restrições impostas pelo Supremo impedem o trabalho adequado das forças policiais, fortalecendo organizações criminosas.
Redução da criminalidade
As estatísticas apresentadas por Fachin também mostram a queda dos índices oficiais de crimes que resultaram em mortes (18,4%), roubos de veículo (44%), roubos de rua (57,2%), roubos a transeuntes (60,9%), roubos a coletivos (64,3%), roubos de celular (42,2%) e roubos de carga (56,8%).
Dados referentes a 2024, apontam que o índice de homicídios dolosos foi o menor da série histórica, desde 1991, com redução de 11% em relação a 2023, e que as mortes decorrentes de intervenção policial mantiveram a tendência de queda, com redução de 20% em relação a 2023. Em relação ao número de roubos, houve um aumento, mas fortemente concentrado no mês de dezembro.
O ministro destacou que os números evidenciam que a adoção de parâmetros de transparência e controle na atividade policial possibilitam o exercício das funções de segurança pública de forma competente e sem elevação de índices de criminalidade.
Gravidade
No voto, o ministro reconhece a gravidade da situação da segurança pública do Rio de Janeiro, especialmente em razão do controle do território por organizações criminosas, com dificuldades de trabalho para as forças policiais, da presença de foragidos de outros estados sob proteção armada e da ilegal circulação de fuzis e armamento pesado.
Fachin observou, no entanto que são problemas crônicos, preexistentes e relacionados com dinâmicas da criminalidade organizada em âmbito nacional, sem relação com decisões tomadas pelo STF.
Fachin destacou que, desde meados de 2016, há um conflito violento entre duas grandes organizações criminosas fortemente armadas, o que leva esses grupos a buscar a expansão para além de suas sedes, em São Paulo e Rio de Janeiro, visando o domínio territorial e a adesão de outras organizações criminosas por todo o território nacional, sobretudo nas regiões Norte e Centro-Oeste.
Essas dinâmicas, explicou, impulsionam a circulação de foragidos de outros estados por todo o território nacional. Segundo ele, a presença de foragidos no Rio de Janeiro ocorre em função do conflito, e não em busca de uma suposta proteção propiciada pelas decisões na ADPF 635.