Na contramão dos países ricos, quase metade dos casos de gravidez ectópica em regiões de média e baixa renda causam graves complicações e precisam de tratamento invasivo, revela um estudo liderado por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior de São Paulo.
Publicado recentemente no periódico BMJ Open, o estudo traçou um panorama dessa condição a partir de dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 17 nações da América Latina, do Caribe e da África, totalizando 24.424 mulheres que tiveram perda gestacional precoce.
A gravidez ectópica, que é aquela que acontece fora do útero, está entre as principais causas de hemorragia no primeiro trimestre. Isso porque, quando o óvulo fecundado se implanta e se desenvolve em um local anômalo (como as tubas uterinas), pode provocar danos aos órgãos e sangramentos com risco de vida.
Problemas que causam lesão tubária, como a doença inflamatória pélvica, aumentam o risco de gravidez ectópica. Trata-se de uma infecção sexualmente transmissível que cria aderências nas tubas uterinas e que pode ser prevenida com uso de preservativo. O tabagismo é outro fator de risco, pois afeta a motilidade das tubas.
Até a década de 1980, a maioria dos casos era diagnosticada após a ruptura do local de implantação. Nos anos seguintes, os números melhoraram nos países desenvolvidos. Entre 1980 e 2007, houve uma queda de 50% na mortalidade devido ao diagnóstico precoce e tratamento adequado, segundo um estudo nos Estados Unidos. No entanto, faltavam dados epidemiológicos globais.
A pesquisa da Unicamp revela que, em países de média e baixa renda, o cenário é bem diferente: quase metade das pacientes (49,8%) chega com sinais de complicações, como ruptura tubária e hemorragia interna, e a maioria (87,2%) precisa de intervenção cirúrgica aberta, a chamada laparotomia. O ideal, porém, seriam tratamentos menos invasivos, como a laparoscopia e a terapia medicamentosa.
“Constatamos que essas mulheres ainda chegam com quadros graves e diagnóstico tardio, ao contrário do que a literatura feita, principalmente, nos países desenvolvidos relata”, diz o médico Luiz Francisco Cintra Baccaro, professor associado do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e um dos autores da pesquisa.
A falta de acesso a serviços de saúde e diagnóstico por imagem é um dos principais fatores que influencia o desfecho de uma gravidez ectópica. “A paciente tem atraso menstrual, demora semanas até ter o diagnóstico de gravidez e depois demora ainda mais para conseguir um pedido de ultrassonografia transvaginal. Muitas vezes acabam fazendo o diagnóstico de gravidez só quando chegam em choque hemorrágico no pronto-atendimento”, relata a ginecologista Renata Bonaccorso Lamego, do Hospital Israelita Albert Einstein.
O acesso ao ultrassom transvaginal bem no início da gestação, principalmente diante de qualquer sintoma como dor ou sangramento, permitiria evitar essa situação. Segundo Lamego, quando há suspeita de gestação ectópica, é preciso fazer um acompanhamento quase diário, monitorando a dosagem hormonal e repetindo o exame de imagem.
“Quando se faz o diagnóstico precocemente, é possível fazer o tratamento com medicação ou cirurgia eletiva [a laparoscopia], evitando o risco de ruptura”, explica a ginecologista.
Para o professor da Unicamp, o estudo mostra um panorama do serviço público. “E revela a necessidade de investir em serviços de diagnóstico e ampliar o acesso às gestantes”, analisa Baccaro.
Gravidez molar
Os autores também avaliaram a gravidez molar, uma condição muito rara em que o óvulo fertilizado não se desenvolve adequadamente e o crescimento anormal de células forma um tumor. O trabalho mostra que cerca de 12% desses casos também apresentam complicações graves ou com potencial risco de morte.
Esse tipo de gestação ocorre após uma falha na fertilização do óvulo. Os principais fatores de risco são antecedentes pessoais de gravidez molar e extremos de idade materna.
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