Embora a ciência ainda não tenha chegado na cura do HIV, os pesquisadores acreditam que estamos próximos de um tratamento que permita uma proteção tão prolongada que seja semelhante ao fim da infecção.
Dois estudos apresentados na Conferência sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas (CROI 2025), realizada nos Estados Unidos entre 9 e 12 de março, mostraram que tratamentos com anticorpos monoclonais podem oferecer proteção por mais de um ano para os pacientes. O evento é um dos mais importantes sobre o combate à aids.
Em alguns casos, 4 em cada 10 pacientes ficaram mais de 12 meses sem precisar tomar nenhum remédio da terapia antirretroviral (TARV), que é administrada diariamente.
As pesquisas mostraram que uma combinação de anticorpos amplamente neutralizantes (bnAbs) permitiu que parte dos participantes ficasse sem TARV e que não experimentasse nenhum aumento da carga viral.
Anticorpos monoclonais são clones de uma célula protetora fabricada em laboratório e injetados na corrente sanguínea, permitindo que doenças infecciosas ou autoimunes sejam combatidas com baixos efeitos colaterais e extrema eficiência.
Os estudos, conhecidos como RIO e FRESH/Gilead, avaliaram diferentes populações e estratégias, mas apresentaram resultados promissores para o controle do HIV sem o uso de medicamentos diários.
Estudo RIO: até dois anos sem antiretrovirais
O estudo RIO, conduzido no Reino Unido e na Dinamarca, contou com 68 participantes que passaram por uma interrupção da TARV para avaliar novas estratégias terapêuticas. Metade dos participantes recebeu infusões de placebo, enquanto a outra metade foi tratada com dois bnAbs de longa duração: 3BNC117 e 10-1074. Os anticorpos atacam diferentes partes do envelope do HIV, impedindo a infecção das células.
Os resultados demonstraram que, na 20ª semana após a interrupção da TARV, 65% dos que receberam os anticorpos ainda tinham carga viral abaixo de mil. Na 48ª semana, 57% continuavam sem necessidade de retomar o tratamento, e na 72ª semana, 39% ainda não tinham apresentado rebote viral significativo. Sete participantes (24%) nunca tiveram carga viral acima de 50 cópias/ml ao longo de todo o período analisado (dois anos).
A pesquisadora principal, Sarah Fidler, do Imperial College London, destacou que, embora alguns participantes tenham apresentado resistência ao anticorpo 10-1074, a maioria conseguiu retardar a progressão do HIV sem necessidade de TARV.
Estudo FRESH
Já o estudo FRESH avaliou 20 mulheres jovens vivendo com HIV na África do Sul, em uma das regiões com maior incidência da doença no mundo. Elas já se tratavam com TARV em média há sete anos antes da interrupção controlada. Diferentemente do estudo RIO, foram usados outros anticorpos: VRC07-523 e CAP256V2.
Os principais achados foram que 10 participantes precisaram retomar a TARV antes da 48ª semana devido ao reaparecimento do HIV. Outros seis apresentaram rebote tardio da carga viral, mas conseguiram adiar a retomada da TARV até a semana 48.
Quatro participantes permaneceram sem necessidade de TARV por mais de 1,5 anos – dois com carga viral indetectável e dois com cargas virais abaixo de 2 mil cópias/ml.
Impactos na busca pela cura do HIV
Os resultados dos estudos RIO e FRESH reforçam a importância dos anticorpos amplamente neutralizantes na pesquisa pela cura do HIV.
“Falar sobre cura do HIV é sempre um tema delicado. A realidade é que, infelizmente, ainda não há uma perspectiva imediata de cura disponível em larga escala, mas os estudos com anticorpos nos dão muitas esperanças de ir além da neutralização do vírus. Eles podem contribuir para uma persistência da indetectabilidade por muito tempo”, explica o infectologista Alvaro Costa, do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Embora não sejam a cura, os bons resultados mostram que essa opção de tratamento pode ser aprofundada. Os pesquisadores acreditam que, quando os bNAbs se ligam ao HIV, o complexo resultante leva a um ataque extra potente ao vírus chamado de “efeito vacinal”, que impulsiona as células T. Ela visam as células infectadas para eliminá-las com mais eficiência.
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