A estudante Rayssa Machado, de 20 anos, convive com doenças autoimunes que se manifestam na pele desde a infância. Em suas primeiras memórias, ela estava passando pelo tratamento da psoríase, uma doença crônica que causa irritações na pele. Aos 13 anos, porém, o quadro começou a se complicar.
Em vez das manchas, começaram a aparecer abcessos nas axilas da jovem. A pele inflamada era dolorida e o inchaço não passava — na realidade, só aumentava. A explicação para o sintoma só veio após várias visitas ao pronto-socorro em busca de analgésicos que pudessem acalmar a dor: tratava-se de hidradenite supurativa (HS).
O que é a hidradenite supurativa?
A hidradenite supurativa (HS) é uma doença autoinflamatória crônica da pele que afeta cerca de 0,4% da população brasileira, aproximadamente 850 mil pessoas. É mais comum em mulheres jovens, especialmente as com comorbidades, e leva à formação de abcessos com acúmulos de pus. Por sua aparência inicial semelhante a uma espinha, a doença também ficou conhecida como acne inversa.
Antes do diagnóstico, a jovem passou por vários dermatologistas e nenhum deles sabia o que eram os nódulos. Muitos achavam que era uma manifestação mais severa da psoríase, mas os remédios não resolviam a dor. A resposta veio por acaso mais de três anos depois dos primeiros sintomas.
“Eu sentia muitas dores e como os abcessos já tinham semanas, era uma situação insuportável e extremamente desconfortável. Eu não conseguia mexer o braço, limitava muito para escrever ou segurar qualquer coisa. Um dia, acabei sendo internada por excesso de analgésicos e um clínico geral que passou por mim desconfiou que minhas feridas fossem hidradenite”, lembra Rayssa.
A doença tem um diagnóstico complicado. “Os pacientes consultam diversas clínicas e hospitais até serem encaminhados para o médico especialista. Para evitar a progressão da condição e as cicatrizes irreversíveis, identificar a hidradenite supurativa cedo é imprescindível”, explica a dermatologista María Victoria Suárez, especialista em doenças inflamatórias autoimunes do Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo.
A HS ocorre em crises. Nelas, os folículos onde nascem os pelos do corpo se inflamam e são atacados por células de defesa do organismo, desencadeando o surgimento de caroços dolorosos sob a pele. Ao contrário dos pelos encravados, porém, eles causam acúmulo de pus, uma sensação dolorida que não cessa, e podem deixar cicatrizes profundas na pele depois de drenados.
María Victoria recomenda que pessoas que tiveram surtos de furúnculos durante os últimos seis meses, com o mínimo de duas lesões pelo corpo, especialmente nas axilas, virilhas, embaixo das mamas, na nuca ou abdômen, procurem um dermatologista. “Estes são sinais clássicos da hidradenite supurativa”, destaca a médica.
Aprendendo a conviver com as crises
Inicialmente, os abcessos só provocam coceira e irritação leve, até que as dores pioram progressivamente e se formam grandes bolsas de pus que passam meses inflamadas. Eles podem ocorrer em três graus de gravidade, os chamados Estágios de Hurley. O de Rayssa é o mais grave, o nível 3, com múltiplas fístulas aparecendo em diversas áreas do corpo.
Ela já teve manifestações da HS na axila, virilha, abdômen, costas, coxa, pernas e até no rosto. “É extremamente desconfortável. Passo por muito julgamento e a doença vai afetando a autoestima, especialmente quando as feridas são visíveis. Por muitos anos, escondi a condição. Fui muito julgada na escola, mas hoje tento falar da HS de forma aberta em busca de apoio”, afirma a estudante.
Em várias ocasiões, Rayssa escutou que as feridas eram feias, nojentas ou notou a repulsa de algumas pessoas que pensavam que elas eram contagiosas. Em outros casos, a dor dela foi descredibilizada e tratada como “frescura”.
A dor, porém, é uma constante para quem vive com hidradenite supurativa e é parte até do tratamento para os abcessos. É preciso drenar todo o líquido acumulado neles sem anestesia (já que a região está excessivamente inflamada, impedindo que o remédio tenha efeito) e posteriormente tratar a área afetada com pomadas para impedir a formação de cicatrizes.
No caso de Rayssa, ela estava remissão da doença até o ano passado. A estudante aprendeu a identificar precocemente os sinais de crise e a controlar os gatilhos com uso de medicações, mas em 2023 começou a sentir dores constantes nas articulações que eram sintoma de mais uma doença autoimune: o lúpus.
Para controlar as manifestações do lúpus, a jovem precisou interromper o uso dos remédios e passou por uma troca de tratamento que permitiu novas crises de HS.
“O diagnóstico do lúpus foi como estar em uma montanha-russa. Tenho sorte que nenhuma vez as minhas três doenças se manifestaram juntas e que posso viver essa nova jornada de aprendizado de mais um diagnóstico com mais calma e tranquilidade”, conclui Rayssa.
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