Na esteira dos acordos assinados pelo presidente Lula (PT) na viagem oficial à China, a empresa de delivery de restaurantes Meituan anunciou, no último domingo (11/5), que vai investir no Brasil US$ 1 bilhão (o equivalente a R$ 5,6 bilhões) nos próximos cinco anos.
A entrada da chinesa no mercado brasileiro de delivery animou os consumidores e parte da rede comercial, mas a nova entrante preocupa o setor nacional de entregas de alimentos. O início das operações é esperado ainda em 2025.
A Meituan é a maior empresa de entregas de comida na China, com cerca de 70 milhões de entregas diárias, e recentemente expandiu seus negócios para Hong Kong e na Arábia Saudita. Ela opera internacionalmente com a marca Keeta.
Uma foto de Lula com o fundador da Meituan, o bilionário Wang Xing, viralizou nas redes sociais chinesas (veja na galeria abaixo). O registro do encontro com o CEO da chinesa em Pequim teria deixado o setor nacional enciumado. As empresas brasileiras veem uma relação conturbada com o atual governo desde o princípio.
A maior dificuldade das empresas de delivery de refeições no Brasil reside no diálogo com o Ministério do Trabalho e Emprego, chefiado pelo petista Luiz Marinho, mas o próprio Lula nunca se reuniu com os representantes do setor. Já houve acusações por parte de representantes do governo de que o ramo de atividades trata o entregador de forma análoga à escravidão, o que deixa a relação ainda mais tensa.
A Meituan só teria começado a oferecer seguro para seus empregados recentemente. Além disso, seus concorrentes a acusam de operar em uma lógica “gamificada”, gerando uma competição forte entre os trabalhadores e jornadas exaustivas.
Os investimentos no Brasil ocorrem dentro do contexto de expansão geopolítica da China, em meio à guerra comercial travada pelo gigante asiático contra os Estados Unidos.
Mercado de delivery no Brasil
Hoje, o mercado brasileiro é dominado pela brasileira iFood. Recentemente, 99food e Rappi decidiram zerar taxas de serviço e mensalidade para restaurantes que se cadastrarem em suas plataformas. A isenção de custos com a a comissão tem o objetivo de atrair novos restaurantes, mas deixou o iFood — que cobra taxas entre 12% e 23% e domina o mercado — em uma posição desconfortável.
A decisão de zerar as comissões é vista como agressiva em termos de marketing, mas pode ser uma estratégia inviável financeiramente.
Em 2020, a Rappi chegou a pedir uma investigação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) contra o modelo de exclusividade adotado pela líder do setor, o que dificultava a competição. Hoje, o iFood faz 100 milhões de entregas por mês.
A 99, que oferece serviço de mobilidade e havia descontinuado seu serviço de entrega de refeições em 2023, anunciou em abril o lançamento da 99Food, com investimento de R$ 1 bilhão. Apesar de ter sido fundada no Brasil e anteriormente controlada por um grupo brasileiro, a 99 é agora controlada pela chinesa DiDi Chuxing, sendo uma subsidiária dela. Já a Rappi, de origem colombiana, anunciou um investimento de R$ 1,4 bilhão no Brasil até 2028.
Em 2022, depois de cinco anos, a Uber Eats decidiu encerrar as operações no país, com a Uber mantendo os serviços de transporte. A saída da empresa deixou o mercado de delivery de refeições sem um dos seus maiores concorrentes.
Bons olhos
A notícia da vinda da Meituan para o Brasil foi bem vista pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), que avaliou positivamente o aumento da concorrência.
Antes da pandemia, 15% das casas faziam delivery e a participação no negócio era de 10%. Hoje, 80% das empresas fazem delivery e a participação passou para 20%. “É um canal que ganhou muita importância para a gente, se espalhou pelo setor como um todo e dobrou a participação no nosso faturamento”, disse o presidente executivo da Abrasel, Paulo Solmucci, ao Metrópoles.
Solmucci alegou que hoje, em um cenário de baixa competição, as empresas de refeição estão repassando os custos das comissões (as taxas) para o consumidor. “Então, o consumidor está pagando 20%, às vezes até mais, a mais do que ele pagaria na loja”, afirmou.
“Nós, enquanto Abrasel, estamos muito felizes, porque a gente saiu de um ambiente, há três meses, sem nenhuma concorrência e agora a gente está aí com um mercado potencialmente muito competitivo”, completou o presidente.
Por enquanto, além do iFood, só o Rappi está operando no país. A 99food começa na primeira semana de junho em Goiânia e há expectativa para o Meituan começar a operar em setembro de 2025.
Regulamentação
O governo Lula entregou à Câmara dos Deputados, em março de 2024, o projeto de lei complementar (PLP) que visa regulamentar o trabalho dos motoristas por aplicativo. No entanto, até hoje, a proposta não chegou nem a ser votada no plenário da Casa Legislativa onde começou a tramitar.
Além disso, o projeto trata apenas dos motoristas de aplicativo, e não entra na seara do serviço de delivery de refeições. O setor entende que o governo brasileiro poderia ter um papel mais proativo para balizar as regras do mercado, mas a percepção é de que as pautas não avançam por inação do próprio governo.
Em 2022, foi sancionada uma lei que determinava que a empresa de aplicativo de entrega contratasse seguro, sem franquia, em benefício do entregador, para cobrir acidentes ocorridos exclusivamente durante o período de retirada e entrega de produtos. As medidas previstas na lei, porém, só eram válidas durante a vigência da emergência em saúde pública decorrente da Covid-19.