Recém-editada pelo governo federal, a medida provisória (MP) com a reoneração gradual da folha de pagamentos começa a valer em 1º de abril de 2024. Até lá, a desoneração dos 17 setores da economia continua valendo.
O intervalo de quatro meses entre a edição da MP e a produção dos efeitos por ela estipulada existe para garantir ao governo tempo hábil para negociar com os parlamentares a aprovação do texto, que já encontra resistência.
Reoneração causa descontentamento de sindicatos, Congresso e patrões
A MP é alternativa proposta pela equipe do ministro Fernando Haddad para substituir a desoneração da folha, que havia sido estendida por lei até 2027. O governo alega que a desoneração é inconstitucional, porque atentaria contra a emenda constitucional da Reforma da Previdência, além de só abarcar cidades com até 142 mil habitantes, o que feriria a isonomia federativa.
Nas projeções do governo, a ampliação por mais quatro anos teria impacto de R$ 20 bilhões nas contas públicas no ano que vem, indo contra o objetivo da equipe econômica, que busca o déficit fiscal zero.
O que é a desoneração da folha?
A desoneração começou a ser implementada no primeiro governo de Dilma Rousseff (PT), em 2011, para aliviar encargos tributários e estimular a geração de empregos. Desde então, passou por sucessivas prorrogações.
Na prática, a desoneração representa uma redução nos encargos trabalhistas pagos pelas empresas de alguns setores. No padrão normal, sem a desoneração, essas companhias pagariam 20% na contribuição previdenciária, como é conhecida a folha de salários. Com a regra diferenciada, passaram a pagar alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta.
A atual desoneração inclui 17 setores da economia, entre eles as indústrias têxtil, de calçados, máquinas, equipamentos e proteína animal, construção civil, comunicação e transporte rodoviário. Esses setores, somados, empregam cerca de 9 milhões de trabalhadores.
A extensão da medida até 2027 foi aprovada em outubro de 2023 pelo Congresso. Em novembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou integralmente o texto, mas o Congresso derrubou o veto logo em seguida. Com isso, a lei foi promulgada no último dia 28, sem a assinatura do chefe do Executivo.
Por ter força de lei, a MP se sobrepõe à lei promulgada. No entanto, a desoneração seguirá válida até a data em que a nova norma produzir efeitos, em 1º de abril.
Como vai funcionar a reoneração gradual?
O governo mudou a lógica. Em vez de divisão por setores, optou por uma divisão das empresas em dois grupos, considerando a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). Na MP, ficou previsto que vale a atividade principal (isto é, aquela de maior receita auferida ou esperada) de cada negócio, com base no ano-calendário anterior.
Haverá um escalonamento das alíquotas pagas sobre a folha de salários entre os anos de 2024 e 2027, com percentuais que variam de 10% a 17,5% ou de 15% a 18,75%, conforme o grupo.
Segundo a MP, as alíquotas reduzidas previstas só serão aplicadas sobre o salário de contribuição do segurado até o valor de um salário mínimo (que será de R$ 1.412 em 2024). Sobre o valor que ultrapassar esse limite, serão aplicadas as alíquotas vigentes na legislação.
“É como se fosse a tabela progressiva do Imposto de Renda”, explicou o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, em coletiva de imprensa na última quinta-feira (28/12).
Para Haddad, esse pode ser “um caminho interessante” para a formalização da força de trabalho e para a empregabilidade. “Você diminui o ônus do emprego sobre o trabalhador que ganha menos”, defendeu o ministro.
Quais são os grupos e as alíquotas?
O primeiro grupo previsto na MP inclui atividades de transporte (ferroviário, rodoviário, escolar e outros), de comunicação e de tecnologia da informação. Já o segundo grupo inclui as indústrias têxtil e de calçados, a construção civil e o mercado editorial (veja a lista completa dos grupos ao final desta matéria).
Para as empresas que exercem as atividades relacionadas ao primeiro grupo, as alíquotas serão aplicadas da seguinte forma:
10% em 2024;
12,5% em 2025;
15% em 2026; e
17,5% em 2027.
Para as empresas que exercem as atividades relacionadas no segundo grupo, as alíquotas serão aplicadas assim:
15% em 2024;
16,25% em 2025;
17,5% em 2026; e
18,75% em 2027.
Caso não haja novas alterações ou uma nova prorrogação da desoneração, a partir de 2028, as empresas voltarão a pagar os 20% de contribuição previdenciária patronal, como acontecia antes de 2011.
As empresas que aplicarem as alíquotas reduzidas terão que assumir o compromisso de manter, em seus quadros de funcionários, quantitativo de empregados igual ou superior àquele de 1º de janeiro de cada ano-calendário.
A MP precisa passar pelo Congresso?
Sim. Medidas provisórias são editadas pelo presidente da República em casos de relevância e urgência. Elas possuem força de lei, mas, para serem definitivamente convertidas em lei, precisam ser aprovadas pelo Congresso em até 120 dias.
Primeiro, a MP é analisada em uma comissão mista, formada por deputados e senadores. Depois, segue ao plenário de cada Casa e pode sofrer alterações no texto original. Se aprovada nos mesmos termos enviados pelo Executivo (na íntegra), a medida é promulgada pelo próprio Congresso. Se mudada, vai à sanção presidencial.
O Congresso pode rejeitar a MP?
Pode. Parlamentares favoráveis à desoneração têm falado na possibilidade de devolver matéria ou de rejeitá-la. No primeiro caso, a devolução é uma decisão que cabe ao presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Trata-se de um gesto extremo de insatisfação geral de deputados e senadores com o Poder Executivo. Isso ocorreu poucas vezes nos últimos anos — uma delas em 2021, com uma MP do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que limitava a remoção de conteúdos em redes sociais.
Já uma possível rejeição pode ser feita tanto pela Câmara dos Deputados quanto pelo Senado Federal, durante tramitação. Nesse cenário, a vigência e tramitação da MP são encerradas e ela é arquivada.
Veja abaixo a divisão das atividades econômicas contempladas pela reoneração:
Grupo 1:
Transporte ferroviário de carga
Transporte metroferroviário de passageiros
Transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, municipal e em região metropolitana
Transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, intermunicipal, interestadual e internacional
Transporte rodoviário de táxi
Transporte escolar
Transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, e outros transportes rodoviários não especificados anteriormente
Transporte rodoviário de carga
Transporte dutoviário
Atividades de rádio
Atividades de televisão aberta
Programadoras e atividades relacionadas à televisão por assinatura
Desenvolvimento de programas de computador sob encomenda
Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador customizáveis
Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador não customizáveis
Consultoria em tecnologia da informação
Suporte técnico, manutenção e outros serviços em tecnologia da informação
Grupo 2:
Curtimento e outras preparações de couro
Fabricação de artigos para viagem, bolsas e semelhantes de qualquer material
Fabricação de artefatos de couro não especificados anteriormente
Fabricação de calçados de couro
Fabricação de tênis de qualquer material
Fabricação de calçados de material sintético
Fabricação de calçados de materiais não especificados anteriormente
Fabricação de partes para calçados, de qualquer material
Construção de rodovias e ferrovias
Construção de obras de arte especiais
Obras de urbanização – ruas, praças e calçadas
Obras para geração e distribuição de energia elétrica e para telecomunicações
Construção de redes de abastecimento de água, coleta de esgoto e construções correlatas
Construção de redes de transportes por dutos, exceto para água e esgoto
Obras portuárias, marítimas e fluviais
Montagem de instalações industriais e de estruturas metálicas
Obras de engenharia civil não especificadas anteriormente
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Atividades de consultoria em gestão empresarial