O lúpus é uma doença autoimune que se manifesta com sintomas muito variados, além de não ter uma causa específica conhecida que facilite seu diagnóstico. Por isso, a maioria dos pacientes com a condição passa por uma jornada de muitos diagnósticos imprecisos e tratamentos ineficazes até descobrir o que causa seus sintomas.
No caso da especialista em marketing Vitória Dondara, de 24 anos, os sintomas da doença foram confundidos com os mais variados diagnósticos: de calor excessivo à leucemia.
Já a ativista Ana Geórgia Simão, de 44 anos, passou dois anos tomando injeções de benzetacil por conta de um laudo errado de febre reumática. No caso das duas, a jornada para descobrir o que tinham foi tão desafiadora quanto lidar com os sintomas dolorosos da doença.
Sintomas variados e diagnóstico impreciso
Os sintomas do lúpus podem ser vagos e intermitentes, o que dificulta o diagnóstico precoce. Muitas vezes, os sinais são confundidos com condições como febre reumática, leucemia ou até doenças virais.
Vitória passou por muitos diagnósticos antes de descobrir o lúpus. Os sintomas começaram aos 13 anos, no auge de seu amor pelos esportes. Ela praticava judô, capoeira, dança e natação. Porém, ela logo começou a sentir dores inexplicáveis nas articulações.
“No início, até ignorei os sintomas. Muita gente me falava que eu devia estar com os inchaços por conta do calor excessivo. A coisa foi piorando, porém, e nem os médicos sabiam explicar o que estava acontecendo. Passei por diferentes médicos por meses. Um deles me diagnosticou com leucemia e queria já iniciar um protocolo de tratamento comigo. Sorte que minha mãe insistiu por mais exames e uma segunda opinião. Mas foram meses até uma resposta”, diz Vitória.
A jovem passou quatro meses pulando de médico em médico até que encontrou um reumatologista que finalmente fez o diagnóstico correto. O alívio de saber a resposta, porém, foi misturado com o medo. “Eu não conhecia a doença, nunca tinha ouvido falar em lúpus”, lembra ela.
Dois anos de tratamento ineficaz
A busca infrutífera por um diagnóstico também foi enfrentada pela ativista Ana Geórgia Simão. No caso dela, os sintomas começaram por volta dos 16 anos e vieram de forma muito mais intensa.
“Eu não conseguia nem andar direito por conta dos sintomas. Fiquei com os gânglios do pescoço muito inflamados, tive uma queda de cabelo muito desproporcional e um emagrecimento visível. Além disso, enfrentei um esquecimento e passei a ter dores reumáticas muito intensas. Só quem já teve este tipo de dor pode imaginar o que é”, lembra.
Após os exames iniciais, os médicos se apressaram em diagnosticá-la com febre reumática. Durante dois anos, ela faz tratamento para a condição tomando semanalmente injeções de benzetacil, conhecidas também por serem dolorosas. Mesmo que ela não melhorasse, as injeções continuavam sendo administradas.
“Após 64 injeções, eu já não conseguia levantar da cama. Sentia dores terríveis, a única forma de ter o mínimo de conforto era ficar o tempo todo deitada na rede. Um reumatologista me viu daquela forma e imediatamente me diagnosticou com lúpus, nem esperou os exames. Era muito fácil identificar que eu tinha lúpus para quem conhece a doença, mas a maioria das pessoas não conhecia”, diz.
O que é o lúpus?
O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença autoimune complexa que afeta diferentes órgãos do corpo. Em geral, os sintomas começam na pele ou nas articulações, mas a doença pode acometer até os rins e o cérebro.
Ela pode ser desencadeada por fatores genéticos, fortes infecções ou por mudanças hormonais que acabam servindo de gatilho para as crises, mas ainda não é possível determinar uma única causa específica.
“A doença está relacionada a uma combinação de fatores que não são específicos. Sabemos que ela costuma ocorrer mais em mulheres, provavelmente por predisposições hormonais, na faixa dos 15 aos 45 anos, mas pode acontecer com qualquer grupo de pacientes”, explica o reumatologista Edgar Reis Neto, professor da Escola Paulista de Medicina da Unifesp.
A doença é grave: sem ser controlada, aumenta o risco de trombose, descontrole glicêmico e colesterol alto, todos fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. A mortalidade entre pessoas com lúpus é até cinco vezes maior do que na população geral.
Os sintomas de lúpus
Os sinais e sintomas são muito variados, devido ao potencial da doença de afetar diferentes partes do corpo. Durante o curso da condição, os achados podem ser transitórios, indo e vindo, e os sintomas diferentes daqueles do início da doença podem surgir ao longo da sua evolução. O mais comuns são:
- Febre.
- Cansaço.
- Anemia.
- Perda de cabelo.
- Dor e/ou inchaço nas articulações.
- Emagrecimento.
- Ínguas pelo corpo.
- Aparecimento de feridas em mucosas (dentro da boca, no interior do nariz e na garganta).
- Vermelhidão na pele das regiões do nariz e das bochechas.
- Alta sensibilidade da pele à luz solar ou luz artificial.
- Perda de cabelos.
- Mudança de cor dos dedos para branco e/ou azul quando frio (fenômeno de Raynaud).
- Inchaço nos pés, pernas e mãos.
- Dor no peito ao respirar fundo (pleurite).
Tratamento para o lúpus: alternativas e desafios
Após o diagnóstico, os tratamentos para lúpus variam conforme a gravidade da doença e os órgãos afetados. Medicamentos como antimaláricos, especialmente a hidroxicloroquina, anti-inflamatórios, corticoides e em casos mais graves, imunossupressores, são utilizados de forma combinada para controlar a condição e evitar complicações.
Além do tratamento com remédios, manter uma dieta adequada, praticar exercícios físicos, se proteger da luz solar excessiva e manter um bom uso dos remédios para controle da doença também é essencial.
“Não há cura para o lúpus, porém o tratamento e o acompanhamento adequado por uma equipe médica coordenada pelo reumatologista pode garantir o controle da doença e uma boa qualidade de vida para a maioria dos pacientes”, explica o reumatologista Odirlei Andre Monticielo, coordenador da Comissão de Lúpus da Sociedade Brasileira de Reumatologia.
No caso de Ana Geórgia, ela vive há nove anos sem necessidade de medicação após mudanças no estilo de vida, como a prática regular de atividades físicas, alimentação saudável e cuidados com o sono. Ela acredita que esses fatores foram essenciais para manter a doença sob controle.
Vitória também busca manter um estilo de vida saudável e faz uso de medicamentos para manter a doença controlada.
A experiência delas demonstra que o diagnóstico precoce é fundamental para evitar complicações graves e salvar a vida dos pacientes. Embora não exista uma maneira definitiva de evitar o lúpus, a conscientização sobre a doença e seus sintomas pode fazer toda a diferença para o diagnóstico precoce.
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