Na última segunda-feira (5/5), houve uma grande ação de derrubadas no Setor de Chácaras Lucio Costa (SCLC), no Setor de Inflamáveis (SIN). A operação, comandada pela Secretaria DF Legal, acabou com mais de 300 pessoas desabrigadas. A Subsecretaria de Proteção e Defesa Civil do Distrito Federal (Sudec) justificou a ação com o fato de o local ficar em uma área bem próxima de uma zona de armazenamento de produtos inflamáveis.
A “Rota de Fuga”, como também é conhecido o local, de fato fica próximo de onde são guardados milhares de litros de combustíveis, como álcoois, gasolina, diesel, solventes, gás de cozinha, dentre outros produtos inflamáveis. Algumas casas ficavam a menos de 1km de reservatórios de grandes empresas, como a Transpetro BR, Liquigás e Raízen.
Nessa semana, o Metrópoles percorreu a região onde foi realizada a operação e encontrou algumas famílias ainda no local, entre escombros, convivendo com muita poeira. Os desalojados conseguiram salvar alguns móveis e roupas, e passaram a improvisar varais de roupas e até fogões.
Veja imagens do local derrubado:
O caminho estreito em uma estrada de terra dificulta o acesso de carros à invasão. Nessa quinta (8/5), um trator retirava parte do entulho deixado após a operação do DF Legal e também fazia um escavamento profundo na terra, para dificultar novas construções de barracos improvisados. Segundo a agência de fiscalização, as ações estavam previstas pelo menos até essa sexta-feira (9/5).
Abatidas, as poucas pessoas ainda presentes no local demonstravam preocupação. Famílias inteiras diziam não saber para onde iriam. No local haviam também idosos acamados e uma criança portadora do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Um templo de umbanda, que funciona próximo aos barracos, auxilia os moradores com necessidades básicas, como banho, local para dormir e comida, mas a casa religiosa também está ameaçada de demolição, além de outras residências, templos e comércios próximos aos barracos já derrubados.
O que diz a Defesa Civil
Para a remoção das residências, a Defesa Civil avaliou que as moradias tinham condições precárias — barracos de madeira e lona, com instalações de energia e água irregulares — próximas a empresas de armazenamento de combustíveis inflamáveis, além da estocagem de forma inadequada de materiais recicláveis.
A Sudec, vinculada à Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP-DF), informou que vem monitorando a área do Setor de Inflamáveis, localizado no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), desde 2019, quando foi identificada a ocupação da área pública próxima à linha férrea, poliduto e locais de armazenagem e manuseio de inflamáveis.
“Conforme atribuição legal, a Sudec informou aos órgãos competentes, no que culminou na operação conjunta para a desocupação da área pública identificada pela Defesa Civil como risco 4 (alto risco)”, disse a Sudec.
Moradores seguem em protesto
Os residentes que perderam suas casas dizem que não houve tempo hábil para conseguirem sair com seus móveis e roupas. O grupo levantou uma barricada na segunda-feira (5/5), para tentar impedir a derrubada. Houve, também, um protesto na Estrada Parque Taguatinga Guará (EPTG) na quinta-feira (8/5). Os agora desabrigados pediam por uma solução do Governo do Distrito Federal (GDF) para acolher as famílias.
Uma das líderes da comunidade, Raniely da Silva, considera a a ação como um “massacre”. A jovem contou que esteve na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) para reivindicar um apoio dos parlamentares do DF. Várias famílias permaneceram no local por alguns dias.
Segundo Raniely, as dificuldades para tomar banho e dormir na Câmara eram imensas e, por isso, retornou para onde ficava a sua antiga residência. Ela relatou, também, que aconselharam à população ficar três meses hospedados na CLDF, para que as autoridades tomassem alguma atitude, mas na última quinta-feira (9/5), decidiram deixar as galerias da Casa Legislativa e retornaram ao SIN, onde suas casas foram demolidas.
José Severino, morador do SIN há 40 anos disse que nunca houve derrubadas no local e os alertas sobre os riscos da região foram recentes. “Se tivéssemos onde morar, nós sairíamos na hora, mas não temos para onde ir”.
“Campo minado”
O especialista em avaliação de risco ambiental, Raimundo Barbosa avalia que a área onde havia sido erguida a invasão é “campo minado”, pelo fato de conter vários depósitos de combustíveis e gás. “Alguns dos barracos estavam em cima desse duto. A área oferece o risco de explosão que pode ser provocada por fogo, faísca proveniente das gambiarras na rede elétrica”, explicou. De acordo com os moradores locais, não haviam pessoas morando onde passa o duto.
Para o ambientalista, a decisão do GDF foi acertada, mas ele entende que deveria haver uma fiscalização preventiva para que a área nunca fosse ocupada pela população local. “Inclusive deveriam ter fiscalizado para que a área não tivesse sido ocupada. Como o governo não atua com fiscalização preventiva, essas pessoas ocupam essas áreas que tem um risco muito alto de acidentes que pode chegar a morte desses ocupantes, disse Barbosa”.
Representação e determinação
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) acionou o Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) nesta sexta-feira (9/5), solicitando a suspensão imediata da operação até que sejam garantidas as condições mínimas de proteção às crianças e aos adolescentes afetados. Em resposta, a Justiça determinou a instauração de um Pedido de Providências para apurar eventuais violações aos direitos infantojuvenis de menores desalojados. Cerca de 170 crianças e adolescentes moravam no local.
O objetivo, segundo o órgão, é garantir a proteção dos direitos de crianças e adolescentes afetados.