Apesar dos mais de 10 mil quilômetros que separam o Brasil dos bombardeios e rastro de sangue na Faixa de Gaza, a guerra entre Israel e Hamas ganhou um novo front de batalha. Dessa vez em terras tupiniquins, onde o conflito entre judeus e palestinos se transformou em uma batalha política e judicial.
Estopim
- O episódio mais recente da disputa entre defensores da Palestina e de Israel aconteceu no início deste ano, quando um soldado israelense se tornou alvo da Justiça do Brasil.
- De férias na Bahia, Yuval Vagdani foi acusado pela Fundação Hind Rajab (HRF) de praticar crimes de guerra na Faixa de Gaza.
- A Justiça chegou a acatar o pedido, mas o israelense deixou o Brasil antes que a Polícia Federal (PF) iniciasse qualquer diligência.
Debate político
O caso envolvendo Vagdani rapidamente gerou reações de opositores do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O petista, desde o início de seu terceiro mandato, tem recebido críticas quanto à postura do Brasil em relação ao conflito em Gaza.
Depois que a denúncia da HRF veio à tona na mídia, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL) foi uma das principais vozes da oposição a se levantar contra a decisão da Justiça do Brasil, e realizou uma série de publicações nas redes sociais contra a ordem. Em entrevista à mídia israelense, o parlamentar revelou ter conversando com o ministro para Assuntos da Diáspora e Combate ao Antissemitismo de Israel, Amichai Shikli, antes de iniciar o que chamou de um “contra-ataque virtual” direcionado à fundação denunciante e funcionários da organização.
Além das críticas direcionadas ao governo federal, a ordem de investigação contra o militar das Forças de Defesa de Israel (FDI) também chegou ao Congresso Nacional. Após o caso, o senador Magno malta (PL) protocolou um pedido para que o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, compareça na Comissão de Relações Exteriores do Senado para explicar comentários de uma diplomata do Itamaraty.
Lotada atualmente na embaixada do Brasil em Mascate, capital do Sultanato de Omã, a conselheira Claudia Assaf é o alvo das críticas de Malta. O parlamentar acusa a diplomata de incriminar, de forma infundada, o soldado israelense, além de publicar comentários antissemitas relacionados à guerra na Faixa de Gaza nas redes sociais.
Briga judicial
Especialista em temas ligados ao Oriente Médio, a diplomata é conhecida por usar as redes sociais para denunciar crimes e desrespeitos aos direitos humanos contra palestinos, praticados principalmente por forças de Israel em Gaza, onde mais de 45 mil pessoas já morreram desde o início da guerra.
A atuação de Assaf na internet, onde a mesma deixa claro que as opiniões expressas são pessoais e não refletem a posição do Itamaraty, já provocou revolta entre outros setores ligados a Israel no Brasil.
Em novembro de 2023, a Confederação Israelita do Brasil (CONIB) procurou a Justiça contra a conselheira, e a acusou de antissemitismo e discurso de ódio. O Ministério Público Federal (MPF), no entanto, pediu o arquivamento do caso cerca de um mês depois. Após recursos dos advogados que representam a entidade, o órgão arquivou o caso de forma definitiva em fevereiro de 2024. Na decisão final, o MPF acusou os denunciantes de tentarem “calar” a diplomata.
“Com imenso respeito à CONIB e aos seus doutos advogados, o estudo da notícia-crime e de toda a argumentação nela contida sugere que seus autores pretendem calar Cláudia Assaf por meio do braço forte e excepcional do Direito Penal. Sugere, sim, que a noticiante não tolera a divulgação, sobre a atual guerra, de uma versão crítica que vilanize o Estado de Israel em relação ao povo palestino”, disse um trecho da decisão à qual o Metrópoles teve acesso.
No mesmo ano em que o pedido de investigação foi arquivado, Assaf voltou a ser alvo uma nova ação judicial, desta vez ligada ao presidente-executivo da organização StandWithUs no Brasil, que realiza um trabalho de conscientização sobre antissemitismo ao redor do mundo.
Assinada pelo advogado Daniel Bialski, o mesmo que atuou na denúncia da CONIB, a queixa acusava Assaf de injúria por conta de um vídeo publicado no YouTube pela diplomata, intitulado “desmascarando André Lajst”. O conteúdo trazia críticas quanto a falas e posicionamentos do presidente da entidade israelense, e foi removido da rede social cerca de um mês depois da publicação, a pedidos dos advogados da conselheira.
Apesar da ação judicial, a Justiça afirmou que as declarações de Assaf sobre Lajst, reconhecido por sua defesa de Israel no Brasil em palestras, participações em programas e podcasts, não configuraram crime de injúria.
“A partir do momento em que um cidadão participa da vida pública de um país, concedendo entrevistas, participando de debates e realizando postagens em redes sociais, passa a estar exposto, diretamente, às severas críticas – positivas e negativas – de todas as pessoas que foram alcançadas pelo conteúdo produzido e pelas informações, ideias, pensamentos, ideologias e vieses advindos de referidas manifestações públicas”, diz um trecho da decisão que, novamente, absolveu a diplomata brasileira em Omã.