O dados retirados do Painel de Ouvidorias da Controladoria-Geral da União (CGU) mostram um crescimento considerável no número de denúncias em órgão federais, principalmente nas queixas no âmbito moral, que bateu o recorde no ano de 2024 em relação aos últimos seis anos. Foram habilitadas 4.349 denúncias, um crescimento de 513% em relação a 2019.
O assédio sexual, apresentou um aumento de 494% quando comparado com 2019, mas em 2024, reduziu em relação a 2023. Em 2019 148 denúncias foram feitas, enquanto no ano passado 870 vítimas prestaram queixa do crime. O recorte com mais denúncias foi em 2023, com 920.
Aumento das denúncias
- As denúncias de assédio em órgãos federais cresceram cerca de 510% em seis anos no Brasil.
- Em 2019 foram habilitadas 857 denúncias, sendo 709 de cunho moral e 148 sexual.
- Em 2024 os registros chegaram a 5.225, sendo 4.349 moral e 880 sexual.
O assédio moral não possui uma lei de âmbito nacional que o configure como crime, mas na pele das vítimas, gera uma série de consequências que precisam ser evidenciadas e denunciadas.
Para a defensora pública Carolina Castelliano, a legislação brasileira tem um caminho a percorrer quando se trata do assunto. “A gente tem uma série de previsões em projeto de lei, mas como ele não produz efeito até que realmente seja sancionado, a gente ainda tem um caminho a ser percorrido no Congresso e na própria Presidência da República. Já o assédio sexual, desde 2001 tem uma previsão do nosso código penal.”
Relato das vítimas
Julia (nome fictício) foi vítima de assédio sexual por parte dos militares, que estão sendo investigados, Ubiratan Poty, ex-diretor do programa Calha Norte, da Secretaria-Geral do Ministério da Defesa, e Armindo Nunes de Medeiros Júnior, ex-coordenador-geral de engenharia do Calha Norte.
No boletim de ocorrência a vítima relata que o assédio por parte de Armindo Nunes vinha ocorrendo de forma insistente ao ponto do próprio convida-la para um confraternização de trabalho e no dia do evento ser um jantar apenas com o mesmo. Durante todo o encontro ele ficava tocando e fazendo insinuações de cunho sexual, até que ela ligou para o namorado e simulou um imprevisto para conseguir ir embora do local.
Como consequência da recusa as investidas, ele passou demandar muitos pedidos de trabalhos, e em seguida, passou a cortá-la. “Da primeira vez que eu fui reativa ao assédio, ele tentou me encher de trabalho e como eu conseguia realizar todos os trabalhos, a tática mudou. Passei a ser cortada dos trabalhos meio como punição por não aceitar ser tratada daquela forma.”
O estopim foi uma viagem oficial para Manaus nos dias 15 a 19 de julho de 2023, onde em um happy hour o militar Ubiratan Poty, que ela acreditava ser a pessoa que poderia ajuda-la a dar um fim na perseguição que ela sofria, passou a mão em suas partes íntimas. Após o ocorrido, o general teria dito que se o assunto vazasse, “cabeças iriam rolar”.
“A única pessoa que poderia me ajudar, para fazer uma denúncia e tirar a pessoa que estava assediando não só a mim como outras mulheres dentro do ministério, também me assediou”.
Julia conta que mesmo após ter dado inicio a denúncia e com o afastamento dos militares do ministério, ela não conseguiu retomar a vida e se sentir segura. “Intensifiquei as minhas terapias, aumentei medicações e tenho muitas crises de ansiedade. Eu não consigo sair na rua e estou afastada do meu trabalho, Além da situação ser muito difícil, as ameaças vêm indiretamente e de uma forma muito forte.”
Vanessa (nome fictício) trabalhou por 11 meses em uma autarquia do Governo Federal, contratada por uma empresa terceirizada ela relata que os primeiros meses foram muito bons, até a chefe entrar de férias e a substituta assumir o cargo temporário.
“Vivi a primeira agressão verbal em uma festa de fim de ano, que fizemos em parceria com a área de recursos humanos. A atração fechada com o RH atrasou e ela, irritada diante da situação, me pediu para que resolvesse a situação. Após resolvido o contratempo, ela me pediu para tirar satisfações com o diretor da área de pessoas da autarquia, de imediato me recusei e ela me disse: ‘como assim vc não tem coragem de falar alto com o diretor? Então eu falo alto com vc!’.”
Após esse episódio, a relação esfriou e os cenários de assédios permaneceram. Em uma das situações que envolvia uma campanha sobre combate ao assédio em geral, a chefe teria dito que “Esse povo é muito fresco, não aguenta escutar uma ordem e já sai falando por aí que é assédio. Eu sou brava mesmo e cobro de verdade, ninguém faz corpo mole comigo.”
Em uma reunião privada, Vanessa relata que a superior chegou a afirmar que ela era a “maior decepção de sua vida” e que se arrependia de ter avisado sobre a vaga. Ao fim da conversa, ela pediu para que a vítima não levasse para a vida o que foi dito, pois ela não tem filtro.
“Como não levar para a vida? Toda vez que escuto a palavra “decepção” tenho crise de ansiedade. Fiz acompanhamento psiquiátrico e sigo na terapia semanal. Não me importo de receber cobrança, mas não é diminuindo as pessoas que a pessoa vira uma boa gestora”, conta.