Frieza, crueldade e ganância. O caso que chocou o Brasil nas primeiras semanas de 2023 – quando 10 pessoas de uma mesma família foram impiedosamente assassinadas – completa dois anos neste janeiro, sem previsão para condenação dos envolvidos nos crimes.
Conhecido como a maior chacina do Distrito Federal, o crime brutal, cometido com requintes de crueldade, foi praticado por pessoas próximas às vítimas, que tinham como objetivo a apropriação da casa onde vivia os integrantes da família.
Os acusados Gideon Batista de Menezes, Horácio Carlos Ferreira Barbosa, Carlomam dos Santos Nogueira e Carlos Henrique Alves da Silva foram pronunciados pela Justiça para ir a júri popular. Contudo, até o momento, não há data para o julgamento.
O termo “pronuncia” é utilizado para fazer referência à fase do processo em que o juiz decide se o caso configura ou não crime doloso – intencional – contra a vida. Caso o entendimento seja de que sim, o réu deve encarar o júri popular.
Um outro réu, identificado como Fabrício da Silva Canhedo, teve desmembramento do processo, ou seja, está em parte separada. Ele também aguarda julgamento.
Todos os envolvidos tiverem a prisão preventiva revista e mantida recentemente.
O crime
Segundo as investigações, o crime, planejado por pelo menos dois meses, foi motivado pelo interesse em uma propriedade onde vivia algumas das vítimas. Avaliado em R$ 2 milhões, o terreno no Itapoã tem cachoeira privativa, ampla área de capim de gado e cerca de 5 hectares – equivalentes a 50 mil metros quadrados.
O plano, então, era assassinar toda a família e tomar posse do imóvel, sem deixar qualquer herdeiro vivo. O terreno, no entanto, nem sequer pertencia à vítima, o patriarca da família, Marcos Antônio Lopes de Oliveira, o primeiro a ser brutalmente morto. A chácara era alvo de disputa judicial desde 2020, na qual os verdadeiros donos tentam recuperar o terreno.
O crime foi meticulosamente planejado, segundo o Ministério Público Federal. Em 23 de outubro, os acusados alugaram o cativeiro, em Planaltina, onde manteriam as vítimas reféns.
Os integrantes da família, então, foram atraídos para emboscadas e assassinados um por um, são eles: Elizamar da Silva, os três filhos – Rafael, 6 anos; Rafaela, 6; e Gabriel, 7 – e o companheiro dela Thiago Gabriel Belchior. Também foram alvo da ação criminosa Marcos Antônio Lopes de Oliveira, Renata Juliene Belchior e Gabriela Belchior – pais e irmã de Thiago. Além deles, Claudia Regina de Oliveira e Ana Beatriz Marques de Oliveira, outra família de Marcos.
Laudo
De acordo com os laudos do Instituto Médico Legal (IML), Elizamar da Silva morreu por possível asfixia mecânica e teve o corpo carbonizado em seguida. Já os três filhos dela, Rafael, Rafaela e e Gabriel morreram “em consequência das lesões causadas pelo fogo”. Os três respiraram fumaça. Os corpos de Elizamar e dos filhos estavam dentro do carro da cabeleireira, encontrado em uma via do DF, carbonizado.
O laudo cadavérico de Marcos concluiu que ele morreu por um disparo de arma de fogo na cabeça. O corpo foi decapitado e esquartejado. Já no corpo de Thiago havia sinais de amarração nos membros superiores e inferiores, e a causa da morte foi asfixia por sufocação direta, que ocorre quando as vias respiratórios são obstruídas.
No corpo de Cláudia também havia sinais de amarração nos membros superiores e inferiores. Segundo o exame, a causa da morte foi hipovolemia por esgorjamento — quando há grande perda de sangue devido a um corte na região lateral do pescoço. Ana Beatriz morreu da mesma forma.
Já em relação a Renata e Gabriela, os peritos não conseguiram determinar a causa da morte, porque os corpos estavam muito carbonizados.
Linha do tempo: as últimas horas de uma família
28 de dezembro
O plano começou na chácara, quando Marcos Antônio, a esposa dele, Renata Juliene Belchior, e a filha do casal, Gabriela Belchior de Oliveira, foram rendidos. O primeiro a ser morto foi Marcos Antônio, em 28 de dezembro.
Na data, o plano dos criminosos – Gideon, Fabrício, Carlomam e um adolescente de 17 anos — era render Marcos Antônio, Renata Juliene e Gabriela na chácara.
Gideon permitiu a entrada de Carlomam e do adolescente para simular um roubo à chácara. Horácio Carlos estava no local e fingiu ser vítima. No entanto, Marcos Antônio teria reagido ao suposto assalto e foi baleado na nunca por Carlomam.
Depois disso, o grupo criminoso enrolou Marcos Antônio em um tapete. A vítima estava ofegante e foi levada, com Renata e Gabriela, para a casa usada como cativeiro, em Planaltina.
Na mesma noite, Marcos Antônio foi esquartejado, ainda vivo, por Gideon e Horácio Carlos. A dupla enterrou a vítima em uma cova improvisada no terreno.
“Colocaram as pessoas no chão, e o Horácio Carlos junto [delas], como se fosse vítima. Nesse momento, houve uma reação do Marcos Antônio, e o Carlomam o atingiu com um tiro na nuca. A vítima ficou no local, agonizando. Eles colocaram a Renata Juliene e a Gabriela dentro da casa. Lá, vendaram as duas, amordaçaram-nas e seguiram para o cativeiro, em Planaltina. Levaram o Marcos enrolado em um tapete, no carro do Gideon”, detalhou Ricardo Viana.
Durante a madrugada, no cativeiro, o adolescente entrou em pânico ao ver a brutalidade da ação, pulou o muro e fugiu do local.
4 de janeiro
Os criminosos levaram Cláudia Regina e a filha dela, Ana Beatriz, para o local do cárcere.
O grupo conseguiu render a vítima ao simular — com o celular de Marcos Antônio — que Gideon e Horácio Carlos ajudariam na mudança para a nova casa de Cláudia Regina, pois ela havia vendido o imóvel anterior.
Quando Cláudia e a filha Ana Beatriz entraram na casa nova, acabaram rendidas por Carlomam, enquanto os demais também fingiam ser vítimas.
As duas foram levadas para cativeiro: Renata Juliene e Gabriela ficaram em um cômodo; Cláudia Regina e Ana Beatriz, em outro.
12 de janeiro
Thiago Gabriel recebeu um bilhete que o chamava, com a esposa Elizamar da Silva, 39, e os filhos do casal, até a chácara no Itapoã. Os criminosos escreveram um termo usado por Marcos Antônio para tornar a mensagem convincente.
Lá, Thiago acabou rendido. A cabelereira Elizamar foi para o endereço só após sair do trabalho, à noite. Ao chegar, também foi feita refém.
Sem apoio do adolescente, que não quis mais participar do crime, o grupo precisou de um novo ajudante: Carlos Henrique Alves da Silva, 27, conhecido como “Galego”.
De lá, os criminosos seguiram para Cristalina (GO), com Elizamar e os três filhos dela, onde asfixiaram as vítimas e queimaram o carro da cabeleireira. Thiago Gabriel ficou no cativeiro.
“Sempre nas ações de queimar corpos e levá-los para fora do DF, estavam presentes Carlomam, Horácio e Gideon. O Fabrício ficava cuidando do cativeiro”, acrescentou o delegado do caso.
14 de janeiro
De madrugada, Carlomam, Horário Carlos e Gideon dirigiram com Renata Juliene e Gabriela, no carro de Marcos Antônio, até Unaí (MG). Lá, eles as asfixiaram e incendiaram o veículo com os corpos das vítimas dentro.
Devido às queimaduras, Gideon não participou dos outros assassinatos.
15 de janeiro
Thiago Gabriel, Cláudia Regina e Ana Beatriz deixaram o cativeiro, no Vale do Sol, em Planaltina (DF) ainda com vida. No entanto, foram levados com os criminosos para um terreno no Núcleo Rural Santos Dumont, a cerca de 5km de onde estavam, onde foram esfaqueados perto de uma cisterna. Em seguida, os assassinos jogaram os cadáveres das vítimas dentro do poço.
“Os criminosos sabiam exatamente o local onde esses corpos ficariam. A vítimas saíram da chácara com vida e, quando chegaram ao local dos assassinatos, foram mortas por objeto cortante”, afirmou o delegado Ricardo Viana. “[Os corpos de] Ana Beatriz, Cláudia Regina e Thiago Gabriel foram jogados no interior da cisterna e, depois, cobertos com pedras, calhas e terra”, completou.
Acusações
Ao todo, cinco pessoas estão presas por envolvimento na morte de 10 pessoas da mesma família. Os crimes pelos quais foram denunciados, de acordo com a participação de cada um, são:
- Gideon Batista de Menezes: homicídio triplamente qualificado, homicídio duplamente qualificado, ocultação e destruição de cadáver, corrupção de menores, sequestro e cárcere privado, extorsão mediante sequestro, constrangimento ilegal com uso de arma, associação criminosa e roubo.
- Horácio Carlos Ferreira Barbosa: homicídio quadruplamente qualificado, homicídio triplamente qualificado, homicídio duplamente qualificado, ocultação e destruição de cadáver, corrupção de menores, extorsão mediante sequestro, sequestro e cárcere privado, constrangimento ilegal com uso de arma, associação criminosa, roubo e fraude processual.
- Carlomam dos Santos Nogueira: homicídio quadruplamente qualificado, homicídio triplamente qualificado, extorsão mediante sequestro, corrupção de menor, ocultação e destruição de cadáver, sequestro e cárcere privado, ameaça com constrangimento ilegal e uso de arma, roubo e associação criminosa.
- Carlos Henrique Alves da Silva: homicídio duplamente qualificado, sequestro e cárcere privado.
- Fabrício Silva Canhedo: extorsão mediante sequestro, associação criminosa, roubo e fraude processual.
O adolescente de 17 anos foi apreendido por suspeita de participação no crime. No entanto, ele não é alvo da denúncia do MPDFT. Somadas, as penas dos cinco acusados podem chegar a 380 anos de prisão, se condenados. Contudo, no Brasil, o prazo máximo para permanência na cadeia é de até 40 anos.