Em média, 3 milhões de mulheres de 40 a 49 anos fazem mamografias todos os anos por meio de planos de saúde no Brasil. No Distrito Federal, a média é de 29 mil mulheres anualmente, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O número é expressivo e mexe com uma parcela da população que se sentiu ameaçada após a agência lançar uma consulta pública para elaborar um selo de qualidade para as boas práticas em planos de saúde.
Um dos pontos levantados pela agência era certificar positivamente planos que fazem o rastreio do câncer de mama em mulheres a partir dos 50 anos a cada dois anos. A iniciativa gerou ruído e entidades dividem opiniões se a medida poderá dificultar ou não o acesso à mamografia para as mulheres na faixa dos 40 a 49 anos.
Os grupos voltados para mastologia e saúde estão em processo de elaboração de um documento para subsidiar a agência para ampliar a certificação de boas práticas aos planos que ofertarem o exame para pacientes partir dos 40 anos. O texto deve ser enviado até o fim de fevereiro.
De acordo com a ANS, a cobertura para a mamografia é obrigatória – sem limitação de idade – e tem que ser realizada sempre que houver indicação do médico e não pode haver negativa por parte das operadoras dos planos de saúde. A agência garante que não haverá mudanças nesse tipo de realização dos exames.
O Metrópoles levantou o número de mulheres, de 40 a 49 anos, que fizeram mamografia no país e por unidade da federação nos últimos seis anos.
Veja os dados:
Preocupações de especialistas
Apesar da garantia da agência, o assessor especial da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), o mastologista Ruffo Freitas Júnior, segue preocupado. Para ele, ter uma idade definida orientando os limites pode servir de base para negar os pedidos que estão fora deste rol.
“Eles não estão proibindo, é verdade, essas mulheres de fazer mamografia, mas certamente haverá uma quantidade enorme de negativos. Lembrando que essas mulheres pagam seu plano de saúde”, destacou.
O especialista também apontou o risco na identificação da doença em caso de ser diagnosticada tardiamente. “Além de prejudicar o tratamento da mulher, aumenta também os custos de planos de saúde porque em vez de lidar com uma mamografia e uma cirurgia simples, em casos em que a doença está avançada, o tratamento será com quimioterapia”, explica.
Em contrapartida, o coordenador de Projetos e Relações Institucionais da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), Alexandre Rodrigues, acredita que a orientação da idade a partir dos 50 anos não vai impedir que mulheres mais novas façam os exames.
“Não é no sentido de que vai restringir o que já faz, porque hoje você tem, claro, talvez algumas mulheres mais conscientes que já buscam fazer o exame, solicitar o exame e o médico libera e isso vai continuar”.
Contudo, para ele, o selo de boas práticas tinha que vir a partir do momento em que se estimula mulheres a partir dos 40 anos a fazer o exame. “O ideal é mudar essa política, de ensinar que não precisa esperar chegar aos 50, até porque 40% dos diagnósticos acontecem em mulheres abaixo dos 50 anos.”
ANS se baseia em orientações no SUS
Caso a iniciativa siga como foi apresentada inicialmente, as operadoras de saúde receberiam certificados de boas práticas ao dar o mesmo nível de atenção que atualmente é dado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que é a partir dos 50 anos.
Os especialistas, no entanto, acreditam que o modelo implantado na rede pública não é mais indicado e que o ideal seria que o SUS usasse também a partir dos 40 anos.
“Pelo SUS, cerca de 54% dos diagnósticos apresentam um tumor acima de 5 centímetros, enquanto pelos planos de saúde, o diagnóstico para tumores acima de 5 centímetros é 32% dos casos”, defendeu o Ruffo Freitas. “A ANS usa estudo do INCA [Instituto Nacional do Câncer] que embasa o Ministério da Saúde também, mas é um retrocesso enorme, já que não há um estudo randomizado no Brasil e todas as pesquisas internacionais indicam que é o melhor é a partir dos 40 anos”, completou.
Segundo o Inca, a mamografia de rastreamento pode ajudar a reduzir a mortalidade por câncer de mama, mas também expõe a mulher a alguns riscos. São eles:
- Falso positivo: suspeita de câncer de mama, sem que se confirme a doença. O alarme falso gera ansiedade e estresse, além da necessidade de outros exames;
- Falso negativo: câncer existente, mas resultado normal (resultado falso negativo). O erro gera falsa segurança à mulher;
- Overtreatment: ser diagnosticada e submetida a tratamento, com cirurgia (retirada parcial ou total da mama), quimioterapia e/ou radioterapia, de um câncer que não ameaçaria a vida. Isso ocorre em virtude do crescimento lento de certos tipos de câncer de mama;
- Exposição aos raios-X: a mamografia é uma radiografia das mamas feita por um equipamento de raio-X chamado mamógrafo. Raramente causa câncer, mas há um discreto aumento do risco quanto mais frequente é a exposição. “Esse dado não deve desestimular as mulheres a se submeterem à mamografia, já que a exposição durante o exame é bem pequena, tornando o método bastante seguro para a detecção precoce”, diz o próprio Inca.
Segundo a ANS, ainda não há nenhuma mudança nos protocolos seguidos, e vale a regra das mamografias a partir dos 40 anos. A entidade destaca ainda que as consultas públicas são exatamente a oportunidade de o público contribuir nas tomadas de decisões.
A consulta pública foi encerrada em fevereiro e recebeu mais de 60 mil sugestões de todo o país. De acordo com a ANS, a iniciativa da Agência é incentivar as operadoras a adotarem boas práticas na atenção à saúde de seus beneficiários e chamar a atenção para a importância da prevenção de diversos tipos de câncer. “Não há, portanto, qualquer mudança em relação aos direitos e garantias de cobertura já adquiridos”.