Uma organização não-governamental (ONG) localizada no coração de Brasília vai ganhar mais de R$ 40 milhões em recursos públicos por meio de emendas parlamentares. Os contratos, que entraram em vigência no final de dezembro do ano passado, têm objetivos diversos, incluindo programas de jogos digitais, onde crianças em vulnerabilidade social vão jogar “FreeFire” e “LoL”, até combate ao vírus da dengue em regiões administrativas do Distrito Federal.
Entenda
- A Associação Moriá, localizada em Brasília, deve receber mais de R$ 40 milhões de recursos públicos por meio de emendas parlamentares. Os contratos abrangem desde programas de jogos digitais para crianças vulneráveis até o combate à dengue no Distrito Federal;
- O Supremo Tribunal Federal (STF) chegou a suspender os repasses por falta de transparência, mas foram liberados após mudanças na prestação de informações;
- A Controladoria-Geral da União (CGU) indicou um prejuízo de R$ 1,7 milhão em um contrato da ONG referente ao aluguel de computadores, comparando o custo previsto para aluguel com o custo de compra;
- A associação, por exemplo, gastou R$ 307.450,50 na “locação de 31 mesas de computadores” no que representaria 13.083 diárias contratadas por R$ 23,50 ao dia. Uma unidade de TV de 43 polegadas foi alugada por R$ 49.980,00 durante 430 diárias pelo preço de R$ 60 ao dia;
- A ONG também firmou dois convênios de quase R$ 7 milhões para combate à dengue em Ceilândia e Sol Nascente, com previsão de desenvolvimento de softwares específicos. Ao todo, a Associação Moriá celebrou 17 convênios com verbas de emendas parlamentares, totalizando quase R$ 74 milhões, com apenas de R$ 20 milhões já liberados.
O Supremo Tribunal Federal (STF) havia decidido suspender os repasses para a Associação Moriá por falta de transparência, mas os convênios tiveram liberação no mês passado após mudanças na prestação de informações pela entidade. No entanto, restam ainda algumas questões sobre a aplicação dos valores e, em consultas públicas sobre a transferência do dinheiro, aparecem dados que não estão corretos.
Além disso, em novembro do ano passado, a Controladoria-Geral da União (CGU) indicou que a ONG gerou um prejuízo de R$ 1.747.614,60 em um dos contratos firmados com dinheiro de emendas parlamentares. A estimativa do órgão sobre os gastos surge da comparação entre o custo total previsto para alugar computadores (R$ 2.184.861,00) e o custo para a compra dos aparelhos, que sairia por R$ 437.246,40.
Milhões para jogos digitais
A Associação Moriá vem recebendo milhões de reais dos cofres públicos para realizar eventos e programas estudantis utilizando jogos digitais. As ações já aconteceram por quase todas as regiões do país em diversos estados. O maior contrato do tipo se iniciou no final de dezembro de 2024 e terá sua vigência até outubro de 2026. Será pago R$ 37,9 milhões para a realização do Programa de Jogos Educacionais Digitais no Distrito Federal (Projedis-DF).
O objetivo da ação foi especificado: “Integrar ações socioeducacionais inclusivas por meio do esporte digital, desenvolvendo modalidades de Battle Royale (Free Fire), FPS (Valorant), MOBA (LoL), Card Games (Teamfight Tactics) e Simuladores (eFootball), para crianças e adolescentes, em situação de vulnerabilidade, na perspectiva da igualdade de direitos, a fim de contribuir para o exercício da cidadania e desenvolvimento esportivo, pessoal, cognitivo, social e produtivo dos beneficiados”.
Ao todo, a Associação Moriá realizou 17 convênios que foram designados com verbas de emendas parlamentares. Os contratos, segundo o Portal da Transparência, começaram a ser executados em dezembro de 2022. Os valores celebrados reunidos são de R$ 70 milhões, sendo que mais de R$ 20 milhões já foram liberados para a ONG. São 8 negociações para jogos digitais, 3 para vigilância em saúde e outros projetos educacionais e para mulheres
Prejuízo e aluguel de equipamentos
Há também outro contrato, descrito como “Evento Circuito de Jogos Digitais no Distrito Federal”, em que a ONG assinou, em 2023, para realização de um serviço semelhante com o Projedis-DF. Por isso, a instituição deve receber cerca de R$ 7,5 milhões da Secretaria Nacional de Esporte Amador, Educação, Lazer e Inclusão Social, que está vinculada ao Ministério do Esporte.
O valor foi repassado por meio de emenda parlamentar do senador Izalci Lucas (PL-DF). Foi esse o contrato que gerou, segundo a CGU, um prejuízo de R$ 1,7 milhão por conta do aluguel de computadores.
O Metrópoles verificou que há, ainda, outros tópicos na descrição de custos que chamam a atenção pelos valores gastos. A associação, por exemplo, gastou R$ 307.450,50 no que é descrito como “locação de 31 mesas de computadores” no que representaria 13.083 diárias contratadas por R$ 23,50 por dia. Uma unidade de TV de 43 polegadas foi alugada por R$ 49.980,00 durante 430 diárias pelo preço de R$ 60 por dia.
Além disso, a ONG indicou que precisaria de R$ 130.830,00 para o que seria o aluguel de “joysticks gamers com fio entrada USB” durante 13.083 diárias por R$ 10 em cada dia. Em consultas básicas na internet, é possível ver aparelhos semelhantes sendo vendidos por valores que variam de R$ 20 até R$ 200.
Combate à dengue
Na última semana de 2024, entrou em vigência dois convênios com a ONG em que ela deve implantar nas cidades de Ceilândia e Sol Nascente, no Distrito Federal, um conjunto de soluções para a implantação de novas estratégias de combate e controle às arboviroses. Somados, os contratos chegam a quase R$ 7 milhões.
As ações se comprometem a introduzir “tecnológicas inovadoras, capazes de identificar e combater a infestação, permitir a localização de áreas sujeitas a novos criadouros do Aedes aegypti em contraste com os casos suspeitos das arboviroses, com intuito de subsidiar ações mais precisas de engajamento social, bem como a implantação de novas estratégias de combate às arboviroses”.
Em relação aos atos que vão ocorrer em Ceilândia, a entidade pediu R$ 2.384.650,00 para o desenvolvimento de um software que será usado nos trabalhos.
Para atuar no Sol Nascente, foi indicado a necessidade de se gastar R$ 981.750,00 para também fazer um software. Além disso, devem alugar um centro administrativo do projeto no Guará, a cerca de 25 quilômetros de distância da cidade onde as ações ocorrem, por R$ 49.700,00.
Decisão do STF
Após o relatório da CGU, em fevereiro deste ano, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão do repasse de emendas parlamentares a duas entidades que não apresentaram informações sobre os valores recebidos e que finalidade foi dada a eles. A decisão, tomada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 854, e atingia a Associação Moria.
Inicialmente, em relação às 13 organizações que tiveram repasses de emendas suspensos pelo ministro por falhas na transparência, sete já tiveram o recebimento liberado após apresentação das informações.
Em 3 de janeiro, o ministro já havia determinado a complementação dos dados, sob pena de suspensão de novos repasses. Além de barrar as transferências, Dino ordenou ao Poder Executivo federal que incluísse as instituições no cadastro de entidades inidôneas e impedidas de celebrar convênios ou receber repasses da administração pública.
No dia 24 de março de 2025, em petição, a Advocacia-Geral da União (AGU) trouxe aos autos nota técnica referente à análise quanto ao cumprimento dos requisitos de transparência pela Associação Moriá, após providências adotadas em face das conclusões constantes no relatório técnico da CGU.
A CGU concluiu que a entidade agora disponibiliza página de transparência de fácil acesso e apresenta informações sobre emendas parlamentares a ela destinadas, cumprindo os requisitos.
Diante das novas informações apresentadas, o ministro Flávio Dino determinou a exclusão da Associação Moriá do Cadastro de Entidades Privadas Sem Fins Lucrativos Impedidas (CEPIM) e do Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS), e para informar aos ministérios a inexistência de impedimento de novos repasses à entidade. Apesar disso, a CGU foi intimada a incluir a Associação Moriá e a entidade Programando o Futuro na auditoria a ser entregue em 31 de outubro de 2025.
Manifestações
Procurado pelo Metrópoles, o Ministério do Esporte comunicou que as entidades beneficiadas por emendas (individuais ou de bancadas) são indicadas por parlamentares (deputados ou senadores), cabendo ao órgão apenas a análise das propostas com vistas à celebração, caso todos os requisitos sejam cumpridos e não haja qualquer impedimento legal.
“Todas as parcerias firmadas entre a Secretaria Nacional de Esporte Amador, Educação, Lazer e Inclusão Social e as Organizações da Sociedade Civil (OSC), atenderam rigorosamente aos requisitos para celebração dispostos na Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, e no Decreto nº 8.726, de 27 de abril de 2016”, apontou a pasta.
O Ministério do Esporte também destacou que as documentações apresentadas pelas OSCs são analisadas por meio do portal de transferências do governo federal, que constitui ferramenta integrada e centralizada, com dados abertos, destinada à informatização e à operacionalização das transferências voluntárias.
O Ministério da Saúde, por sua vez, alegou que os dois convênios recentes sobre o combate ao vírus da dengue apresentam pendências, e nenhum desembolso foi realizado pelo Ministério da Saúde em relação a eles.
A reportagem também entrou em contato com a Associação Moriá para que a instituição pudesse se manifestar em relação aos fatos apresentados. Não houve retorno até a última atualização desta matéria. O espaço será atualizado quando emitida uma eventual resposta.