As propagandas do loteamento irregular divulgado pelo cantor sertanejo Leonardo e que tem gerado processos contra ele e a empresa AGX Smart Life, em Mato Grosso, prosseguiram mesmo após decisão da Justiça que proibia a continuidade da venda de lotes no empreendimento. O artista nega que seja sócio do negócio. O caso foi revelado pelo Metrópoles.
Em 21 de março de 2024, no âmbito do processo de reintegração de posse movido pelos antigos donos do terreno, o juiz de Querência (MT), Thalles Nóbrega Miranda Rezende de Britto, determinou a interrupção imediata de qualquer negociação e expediu um mandado de constatação para que fosse verificada a implantação do loteamento, a existência de qualquer negociação e divulgação de lotes à venda.
Em relatório feito pela oficial de Justiça encarregada e incorporado aos autos, com data de 15 de abril de 2024, portanto semanas após a decisão, é descrito que na entrada do empreendimento havia um outdoor com divulgação de venda e que uma rádio da cidade ainda veiculava “propaganda sobre a comercialização de lotes” no local.
Diante da constatação, ela entrou em contato com o representante da AGX, em Querência, para verificar se ainda havia lotes à venda. Em primeiro momento, ele respondeu que sim, que existiam lotes disponíveis, mas apenas na parcela Munique III, terceira etapa do residencial Munique Smart Life. Nas duas primeiras, todas as unidades – 454, ao todo – já haviam sido vendidas.
Dois dias depois, no entanto, o representante voltou atrás e informou a ela que, momentaneamente, a empresa não poderia comercializar tais lotes, pois a AGX estava com um “probleminha” para resolver antes de continuar as vendas. O “probleminha”, na verdade, era a decisão judicial que impedia a continuidade das negociações no empreendimento.
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O que foi revelado por inspeção judicial
A inspeção feita pela oficiala de Justiça verificou, no terreno onde seria o residencial Munique Smart Life, que já havia a demarcação das divisões do condomínio, mas que nenhuma delas, apesar dos postes de luz empilhados, possuía rede elétrica devidamente instalada. Nas etapas Munique I e II, havia indícios de instalação da rede de água, enquanto na terceira não foi possível averiguar o mesmo.
A essa altura, no entanto, centenas de lotes já haviam sido vendidos e continuavam sendo oferecidos pela AGX, muitos, inclusive, já quitados pelos compradores. O relatório judicial menciona, ainda, que as ruas e avenidas do loteamento encontravam-se demarcadas, mas todas cobertas pela vegetação, em aparente cenário de abandono.
Os antigos donos do terreno entraram com ação de reintegração de posse no final de 2023. Eles alegam que, do valor total do negócio de R$ 12,9 milhões, a AGX, do empresário Aguinaldo José Anacleto, pagou apenas R$ 4,7 milhões, com atraso evidenciado e cheques sem fundo, a partir da terceira parcela prevista para maio de 2023.
Para evitar um “imbróglio caótico”, como ele próprio mencionou em decisão judicial, o juiz indeferiu, a princípio, a reintegração de posse, já que centenas de lotes haviam sido vendidos no terreno, mas deferiu a anotação da observação nas matrículas do imóvel, para que se tornasse público e de conhecimento de todos. Foi só a partir dessa ação que os compradores souberam do problema envolvendo a área.
Veja fotos do local, inseridas no relatório judicial:
Relembre o caso
Entre 2021 e 2022, o cantor sertanejo Leonardo esteve em Querência mais de uma vez para lançar empreendimentos imobiliários junto do empresário Aguinaldo José Anacleto, dono da AGX. Desde então, a imagem dele passou a ser utilizada na divulgação dos loteamentos, o que atraiu o interesse de centenas de pessoas da cidade, que fecharam negócio e adquiriram terrenos nos residenciais.
Um dos empreendimentos, no entanto, chamado Munique Smart Life, vendeu a maioria das unidades, antes mesmo da quitação da área e da devida regularização, junto à prefeitura local. Além disso, o projeto encontra-se parado, desde 2022, a empresa fechou os pontos de atendimento na cidade e o terreno é alvo de ação de reintegração de posse.
Diante da suspeita de golpe, os compradores se organizaram e criaram a Associação Residenciais Munique para entrar com ação conjunta, enquanto outros optaram por mover processos individuais. Conforme revelado pelo Metrópoles, no sábado (8/3), algumas delas já foram protocoladas e tramitam na Justiça.
Veja vídeo de Leonardo divulgando o empreendimento:
O que dizem Leonardo e AGX?
Em resposta ao Metrópoles, Leonardo informou, via assessoria de imprensa, que os advogados dele já estão sabendo do caso e tomando as providências cabíveis. O cantor alega que atuou, apenas, como garoto-propaganda do empreendimento da AGX, em Querência, assim como costuma anunciar em campanhas de empresas e produtos diversos. Ele afirma, ainda, que não é sócio e não tem participação no negócio.
Já a AGX, do empresário Aguinaldo José Anacleto, alega que o projeto do residencial Munique Smart Life “não envolve a venda de lotes, mas sim a captação de investidores por meio de cotas dentro de uma Sociedade em Conta de Participação (SCP), estrutura jurídica devidamente regularizada e em conformidade com a legislação vigente”.
Segundo a companhia, o empreendimento segue em desenvolvimento, apesar da paralisação nos últimos anos. “Eventuais questionamentos jurídicos estão sendo tratados no devido foro competente, com a plena convicção da regularidade dos procedimentos adotados”, aponta a AGX.
Em relação ao processo de reintegração de posse, movido pelos antigos donos do terreno, que alegam atraso no pagamento do valor acordado, a empresa diz que não há decisão judicial definitiva sobre o caso e contesta os argumentos do vendedor da área. Segundo a AGX, ele “fixou o pagamento em sacas de soja e não aceitou a variação do índice conforme determina a lei”.
“A negociação segue judicialmente, mas não há inadimplência reconhecida e a paralisação das obras decorre da inadimplência de investidores, incentivada por calúnias e desinformação”, alega a empresa.
Sobre a participação do cantor Leonardo, a AGX afirma que ele “não tem nenhuma vinculação ou responsabilidade contratual sobre a administração e execução dos empreendimentos em Querência”. O cantor, segundo a empresa, “firmou uma parceria de publicidade, cedendo o direito de uso de sua imagem. Ao firmar essa parceria, ele também apostou no empreendimento, acreditando em seu sucesso, mas não possui qualquer participação ou responsabilidade administrativa nos empreendimentos”.
A parceria com o artista, conforme a AGX, “envolveu o uso de sua imagem e, em contrapartida, a participação em cotas, nos mesmos moldes dos demais clientes”.