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    35 anos do SUS: as histórias de pacientes salvos pelo sistema de saúde

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    O Sistema Único de Saúde (SUS) completa 35 anos nesta sexta-feira (19/9). Criado pela Constituição de 1988, ele mudou a vida de milhões de brasileiros ao garantir acesso gratuito, universal e integral à saúde. Há inegáveis filas e atraso no atendimento, mas o sistema cuida do brasileiro do nascimento até a morte, da vacina ao transplante, do curativo simples ao medicamento de alto custo.

    Na data simbólica, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, resume a dimensão do sistema: “O SUS é a maior conquista social do Brasil. O sistema representa a esperança e o cuidado com a vida em todas as regiões do nosso país, para todas as pessoas, em todas as fases da vida. Com o SUS, o Brasil vive mais.”

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    Ao longo desta reportagem, três histórias — Jair, Ilza e Ademir — mostram, na prática, como a rede pública salva vidas e devolve dignidade à população. A atenção dos profissionais de saúde que os acompanharam mostram por que o SUS é, antes de tudo, um projeto de país.

    Ilza Viana: 15 dias entre o diagnóstico e o transplante

    Aos 39 anos, a professora Ilza Viana, de Francisco Morato (SP), começou a se sentir diferente: indisposição insistente, olhos amarelados, náuseas e hematomas espontâneos. Ela buscou ajuda em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e, de lá, foi encaminhada à Unidade Básica de Saúde (UBS) para exames específicos.

    “No outro dia, voltei à UPA para pegar o resultado. Pela gravidade, me internaram ali mesmo, que nem é lugar de internação. Eu estava em crise hepática aguda e fiquei sete dias hospitalizada”, conta.

    Em 7 de maio de 2024, surgiu uma vaga no Hospital São Paulo (Unifesp), referência pública entre os melhores do mundo. “Cheguei e fui para a UTI. Para a minha surpresa, meu nome já estava na lista de prioridade de transplante do SUS. Me disseram que eu poderia ter hepatite fulminante a qualquer momento. Pela gravidade, qualquer fígado que aparecesse no país seria meu, graças à lista do SUS”, lembra.

    Apenas 15 dias após o diagnóstico, ela recebeu o órgão que salvou sua vida. O acompanhamento pelo SUS segue a cada dois meses, com avaliação clínica, exames e ajuste de medicamentos.

    “Se não fosse o SUS, a doação de órgãos e os profissionais da UPA, UBS e hospital, não sei o que seria de mim”, afirma.

    O gastroenterologista Edson Arakaki explica a urgência. “No Brasil, a lista de transplante de fígado é única, pública e transparente, gerida pelo SUS por meio do Sistema Nacional de Transplantes. A gravidade define a prioridade, sobretudo pelo escore MELD. Com MELD 40 — o valor máximo, que indica risco iminente de morte — a Ilza estava no topo da fila.”

    Imagem mostra mulher em hospital sendo amparada por dois profissionais de saúde - MetrópolesEntre diagnóstico, internação e transplante, Ilza esperou apenas 15 dias

    O especialista detalha que o transplante de fígado é um procedimento de grande porte, que demora de seis a 12 horas, e envolve cirurgiões, anestesistas, enfermeiros, técnicos, hepatologistas, intensivistas e uma rede de apoio — laboratório, banco de sangue e logística. A equipe multidisciplinar bem preparada e a infraestrutura hospitalar foram decisivas no caso de Ilza.

    O pós-operatório exige UTI, imunossupressores e vigilância contra rejeição e infecções. Quando bem conduzido, restaura autonomia e qualidade de vida”, explica o médico. “A Ilza só viveu porque uma família, em um momento de dor, disse sim à doação. Um único doador pode salvar até oito vidas. Converse com sua família. Doar é um ato de amor e cidadania.”

    Saúde coletiva: por que o SUS é único

    No Ocidente, o SUS é o maior sistema nacional de saúde — atende exclusivamente cerca de 70% dos brasileiros e, mesmo quem tem plano de saúde, usa o SUS (na vacina da UBS ou na urgência do SAMU, por exemplo). A União, estados e municípios compartilham responsabilidades para garantir que tudo funcione da melhor forma possível.

    “Temos o maior programa de transplantes públicos do mundo e um dos maiores programas de vacinação, que cobre todas as fases da vida. Políticas reconhecidas — controle do tabagismo, resposta ao HIV/aids — mostram que o SUS vai muito além do hospital”, afirma a especialista em saúde pública Carla Pintas Marques, docente da UnB.

    Rômulo Paes de Sousa, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, explica que o sistema único de saúde tem ampliado o atendimento, sobretudo às populações empobrecidas e de regiões remotas, além de fazer um esforço “corajoso” para diminuir as filas por exames, diagnósticos e cirurgias.

    “Mas ainda há déficits, principalmente no acesso a procedimentos especializados e na desigualdade em saúde, que atinge mais fortemente populações indígenas, quilombolas e mulheres pobres — por exemplo, no câncer de colo do útero. É essencial também melhorar a distribuição de profissionais e o financiamento estável — uma condição para que o SUS cumpra seu compromisso de equidade”, explica.

    Carla explica que o financiamento é desafiador em todos os sistemas públicos de saúde no mundo, mas a incorporação de tecnologias — como inovações no tratamento do câncer e a saúde digital — precisa avançar. A telemedicina pode ajudar ampliando o acesso nas áreas remotas.

    “O SUS dá dignidade. Do acidente na rua atendido pelo SAMU à Farmácia Popular, o cuidado gratuito muda a vida, especialmente de quem teria de escolher entre o remédio e a comida”, lembra a professora.

    Ademir Regis: do banco da praça ao recomeço da vida

    A família se desfez, o trabalho sumiu e o que restou foi dormir na rua. Sem casa, banho, roupa limpa e dormindo na rua, Ademir Regis, de Rio Verde (GO), bebia para tentar esquecer. Enquanto isso, a hérnia na barriga crescia, a dor aumentava e a esperança diminuía. Foi quando o SUS, literalmente, foi até ele.

    “Eu estava sentado no banco da praça, sujo, sem me reconhecer. Chegou uma moça e perguntou se eu queria ajuda, se queria mudar de vida. Aceitei na hora, já tinha quase perdido a esperança”, lembra.

    A equipe do Consultório na Rua, serviço do SUS coordenado pela Atenção Primária, entrou em ação. Sem documentos, em situação de vulnerabilidade e com uma hérnia visível, Ademir foi acolhido, encaminhado para exames e cirurgia, e acompanhado passo a passo para não perder consultas.

    “A gente procurava ele à noite, avisava: ‘Não pode beber hoje, amanhã tem exame’. Conhecíamos os lugares onde ele ficava. Foi uma parceria da rede toda”, relata a assistente social Aline da Mata.

    O tratamento aconteceu com sucesso: Ademir passou pela cirurgia que tanto precisava e, com suporte multiprofissional, superou o alcoolismo. O auxílio da rede de saúde foi o que faltava para que ele refizesse a vida. Hoje, Ademir tem casa e outra rotina. “Foi um recomeço. O SUS me salvou”, diz.

    A Consultório na Rua é uma equipe multiprofissional formada por médico, enfermeiro, assistente social, psicóloga, técnico e agente social, que atende onde as pessoas estão: ruas, lotes e construções. Oferece consultas, exames, cuidado em saúde sexual e reprodutiva, testes rápidos para ISTs, distribuição de preservativos, tratamento para abuso e dependência de drogas, e acompanhamento de gestantes em situação de rua.

    2 imagensEquipe também realiza consultas, exames e testes de ISTsFechar modal.1 de 2

    Equipe do Consultório na Rua atende pessoas em situação de vulnerabilidade

    Reprodução / Consultório na Rua – Rio Verde /GO2 de 2

    Equipe também realiza consultas, exames e testes de ISTs

    Reprodução / Consultório na Rua – Rio Verde /GO

    Para Aline, o princípio é a dignidade: “O SUS garante que ninguém seja invisível. Trabalhar no Consultório na Rua é humanização em cada escuta e cuidado. A saúde é um direito, independente das escolhas de vida ou do status social.”

    Jair Beto: quando o remédio certo muda tudo

    A psoríase tomou o corpo inteiro de Jair Beto, de Belo Horizonte (MG). Coceira constante, pele descamando, cascas brancas por todo o corpo e o couro cabeludo. O sofrimento era diário.

    A doença de pele é até comum mas, em casos graves, o paciente acaba preso dentro de casa — é muito difícil ter uma condição visível para qualquer pessoa. Os olhares de julgamento se somam às dores, e o estresse piora ainda mais o quadro.

    A dermatologista Ana Cândida, médica aposentada pelo SUS e especialista em dermatologia clínica, explica que a psoríase é uma doença inflamatória crônica que pode afetar pele e articulações e se relaciona à obesidade, distúrbios metabólicos, alterações oculares e sintomas psíquicos. “Sem tratamento, produz coceira intensa, estigmas sociais e pode evoluir para deformidades e incapacidades articulares”, ensina.

    Segundo a médica, o Brasil dispõe, há cerca de 20 anos, de medicamentos imunobiológicos no SUS para tratar a psoríase. “Hoje, o sistema público oferece opções como adalimumabe, secuquinumabe, ustequinumabe e risanquizumabe. Cada um mira um alvo diferente da cascata imunológica da psoríase e traz excelentes resultados no controle da doença e na qualidade de vida”, afirma.

    As terapias modernas atuam de forma direcionada na inflamação e podem custar até R$ 15 mil, um valor inalcançável para a maioria das famílias.

    “Eu não ia ter condição de comprar o remédio”, conta Jair. “Era uma situação muito ruim, só quem tem sabe. Graças à Deus, o SUS liberou o medicamento: analisaram meu caso e viram que era grave demais“, lembra.

    Hoje, o tratamento do mineiro é feito 100% pelo SUS. Com acompanhamento próximo e medicação correta, e a psoríase desapareceu por completo. “O SUS resolveu. Só tenho a agradecer”, diz.

    Do posto de saúde ao transplante

    Na avaliação do ministro Padilha, três ideias definem os 35 anos do sistema: universalidade, equidade e integralidade. Ele lembra que o SUS está na vacinação nas UBSs, na entrega e produção das vacinas, na visita dos agentes comunitários, no controle de endemias, na ambulância do SAMU 192, na consulta, no exame, na cirurgia, na hemodiálise, nos diagnósticos e tratamentos oncológicos e nos cuidados paliativos.

    Padilha reconhece o desafio histórico de diminuir o tempo de espera para consultas e cirurgias, agravado pela pandemia de Covid-19, e cita a ampliação de especialistas em áreas como oncologia, saúde da mulher, cardiologia, ortopedia, oftalmologia e otorrinolaringologia para reduzir filas.

    “Mobilizamos a rede pública e privada para garantir que nenhum tratamento fique sem atendimento. O Ministério da Saúde segue trabalhando para que o SUS continue avançando e transformando o Brasil em um país cada vez mais justo, saudável e solidário”, afirma.

    O SUS é de todos e para todos

    As histórias de Jair, Ilza e Ademir mostram o que o SUS tem de mais essencial: é um pacto público que se realiza no encontro entre gente que precisa e gente que cuida. Do remédio que devolve a pele e a autoestima ao órgão que chega na hora certa, passando pela equipe que procura, acolhe e acompanha quem vive nas ruas.

    A cada vacina aplicada, a cada consulta na UBS, a cada exame, a cada cirurgia, o SUS reafirma a promessa de 1988: saúde como direito de todos e dever do Estado. É um sistema que salva vidas, reduz desigualdades e garante dignidade.

    Aos 35 anos, o SUS segue sendo construção diária, feita por pessoas reais, que compõem o time de profissionais, gestores e usuários. E segue sendo patrimônio do Brasil — universal, gratuito e integral — para quem depende exclusivamente dele e para quem, mesmo tendo plano de saúde, também conta com seus serviços.

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    Willian Carvalho de Menezes
    Willian Carvalho de Menezes
    Jornalista Profissional (0014562/DF) e fotojornalista com 20 anos de experiência na cobertura de fatos que marcaram o Distrito Federal e o Brasil. Atualmente estou à frente do portal Clique DF, onde combino meu olhar jornalístico com a sensibilidade da fotografia para informar com responsabilidade, profundidade e compromisso com a verdade.

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